02 DE ABRIL DE 2022
OPINIÃO DA RBS
EXALTAÇÃO EQUIVOCADA
Foi descabida a "Ordem do dia alusiva ao dia 31 de março", divulgada pelo Ministério da Defesa, em alusão à passagem dos 58 anos do golpe de 1964. Assinado pelo agora ex-ministro Walter Braga Netto, o texto faz o desserviço de acirrar ainda mais os ânimos no país, já exausto pela polarização destrutiva. Não bastasse a consequência infausta, costura uma série de retalhos argumentativos torcidos que, em conjunto, forçam a interpretação de que a ruptura institucional ocorreu em nome da democracia e, nos anos seguintes, a fortaleceu. Trata-se de conclusão fantasiosa sem amparo nos fatos e, por isso, é estéril como tentativa de recontar a História.
Tem respaldo a afirmação de que a deposição de João Goulart, executada pelos militares, contou com o apoio de parcela considerável da população, de organizações religiosas e empresariais, da mídia e de outros segmentos à época. É verdadeiro ainda que o Brasil experimentou, nos primeiros anos, um período de acelerado crescimento econômico.
O que se seguiu no país, entretanto, foi desastroso em todos os aspectos. A ditadura mergulhou os brasileiros em uma noite de trevas autoritárias que perdurou por 21 anos. Mortes, desaparecimentos, tortura, censura implacável à imprensa e às artes, perseguição política, cassação de mandatos e outros direitos civis, cidadãos e políticos no exílio, Congresso fechado e Judiciário amordaçado. Na economia, o regime legou altíssimo endividamento externo, hiperinflação e aumento da concentração de renda. Algumas dessas mazelas apenas a volta da democracia foi capaz de contornar, embora persista o desafio de diminuir a desigualdade social.
Mesmo que o mundo, quase seis décadas atrás, vivesse sob a sombra da Guerra Fria, é equivocado sustentar que a derrubada de Jango seria justificada por um risco de o Brasil cair nas garras do comunismo. Democracias têm os remédios legais, que não os da força, para uma eventual substituição de governantes. Ao se optar pelos tanques, não se restabeleceu a paz nem a estabilidade institucional, como sustentou a "ordem do dia" de Braga Netto. Pelo contrário. Além dos arbítrios, suscitou a mobilização também violenta e armada de opositores do regime, tampouco comprometidos com a democracia.
É possível encontrar na história das nações inúmeros episódios lamentáveis que então pareciam legitimados pelas circunstâncias e, assim, até angariaram adesões, para depois serem percebidos como erros graves. Reconhecê-los é sinal de amadurecimento de uma sociedade e de grandeza. Exaltá-los significa o contrário. O enaltecimento extemporâneo do regime militar não interessa inclusive à ampla maioria da geração atual integrante das Forças Armadas, compromissada com sua verdadeira missão constitucional e que presta relevantes e reconhecidos serviços ao país. A população brasileira, por sua vez, fez uma opção inequívoca pela democracia, pela prerrogativa de votar, pela liberdade de se expressar e pelos direitos civis. Ditaduras escancaradas ou disfarçadas, de qualquer espectro ideológico, devem ser sempre condenadas. Nunca celebradas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário