05 DE JANEIRO DE 2021
NÍLSON SOUZA
Aula presencial
Ainda que o acesso à tecnologia estivesse ao alcance de todos (e os alunos não desligassem as câmeras quando o professor fala), as aulas remotas não poderiam substituir as presenciais indefinidamente. Falta-lhes algo essencial, que é a proximidade humana. Quando trabalhava para a revista Nova Escola, nos anos 1990, testemunhei um episódio significativo para o meu convencimento disso. A pauta era socialização e, numa escola pública da periferia de Porto Alegre, a simpática professora concordou que eu e meu colega fotógrafo acompanhássemos a atividade de trabalho em grupo que havia planejado. Nem ela nem nós imaginávamos o que viria.
A turma era composta por cerca de 20 alunos, entre oito e nove anos de idade, maioria absoluta de meninos. Havia apenas três garotinhas negras, que sentavam juntas. Então a professora escolheu quatro alunos e pediu que cada um formasse o seu grupo, de acordo com o seguinte ritual: o líder deveria levantar-se, dirigir-se à criança escolhida e perguntar em voz alta se ela aceitava fazer parte do seu grupo. Se a resposta fosse positiva, o escolhido passava a integrar a mesa de trabalho coletivo. Em seguida, outro líder fazia o mesmo, de forma que os grupos iam se formando alternadamente. Só que ninguém convidava as meninas.
Quando todos os meninos já estavam aglomerados - para usarmos uma palavra da moda -, o líder da vez olhou para a professora e disse:
- Não tem mais ninguém para convidar.
A mestra, com sensibilidade e firmeza, rebateu:
- Como não? E as tuas coleguinhas?
O menino olhou para os outros meninos, soltou um risinho, relutou um pouco e caminhou de cabeça baixa na direção das meninas, que acompanhavam a escolha em silêncio. Por fim, dirigiu-se a uma delas e falou sem sequer encará-la:
- Tu queres fazer parte do meu grupo?
A menina levantou a cabeça, lançou um olhar fulminante para o interlocutor e gritou:
- NÃO!
Todos ficamos estarrecidos. A professora, percebendo que aquela negativa era uma afirmação de gênero, raça e orgulho ferido por todos os ismos estruturais da sociedade patriarcal (machismo, sexismo, racismo), atenuou o conflito com uma proposta diplomática:
- Se quiserem, as meninas podem formar seu próprio grupo.
Assim ocorreu. O menino voltou cabisbaixo para a sua turma de garotos, todos visivelmente constrangidos. Ninguém precisou fazer sermão. A lição estava dada. Não há aula remota que substitua uma experiência como essa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário