04 DE JANEIRO DE 2021
CRISTINA RANZOLIN
A pergunta da minha filha
Há um ano recebi um convite pra escrever neste espaço. Verão a mil, eu de férias, decidi falar sobre o meu bronzeado, assunto que sempre provoca muito ti-ti-ti quando retorno para a TV.
Este ano veio de novo o convite. Voltei um pouco no tempo pra relembrar o que vivi de lá pra cá, na busca de algo leve e gostoso para dividir com vocês.
Nessa minha retrospectiva, lembrei de que no dia 14 de março fui ao Rio de Janeiro fazer o Jornal Nacional. Aquela foi minha última viagem. Exatamente naquele fim de semana a pandemia se instalou no Brasil, voltei já de quarentena, vendo os números de casos de coronavírus crescerem e se espalharem. E aí veio o home office, aulas online, fecha-fecha, fomos nos adaptando à vida que chineses, italianos, americanos, que o mundo já tinha adotado. Algo que nunca imaginávamos viver, pessoas trancadas nas próprias casas, longe de familiares, mascaradas, desinfetando tudo que era possível. Minha filha perguntava: "Até quando vai ser assim, mãe?" Perguntinha difícil de responder... "Uns três meses", eu chutava.
No meio dessa vida nova muita gente foi ficando sem trabalho, sem ter o que comer, sem perspectiva, sem graça... felizmente a solidariedade foi grande e trouxe um pouco de alívio no meio do desespero. E tivemos uma aliada importante, a tecnologia, que nos permitia trabalho, compras e até visitas pela internet. Para algumas famílias, a pandemia trouxe até mais união, novas descobertas, um novo sentido à vida. Pais e filhos que pouco se viam agora estavam dividindo espaços, o computador, faziam juntos tarefas domésticas.
Eu mesma, que era visita na minha própria casa, acabei descobrindo muita coisa entre nossas quatro paredes. No começo, fiz faxina, limpa em gavetas e armários, li muito, vi séries em família, fiz muita ginástica online e depois recomecei a fazer tricô, um hábito antigo que me trouxe os velhos tempos de volta.
Mas era duro dar as notícias de quem não tinha espaço em casa, comida na mesa, que lutava para receber o auxílio emergencial e perdia o emprego, familiares e amigos pra um vírus minúsculo, mas avassalador.
Minha resposta para a pergunta da minha filha ganhou uma nova versão: "Até lá por setembro..."
Aos poucos, fomos conhecendo um novo normal, uma vida híbrida...que nos permitia algumas saídas e encontros, mas com todos os cuidados e muito álcool gel. Os testes com vacinas começaram a trazer esperança.
E veio outubro, e aí mais uma bomba para mim, exames de rotina diagnosticaram um câncer de mama. No meio do caos, outro caos, mas decidi que não ia desanimar. Três dias depois da confirmação do resultado, já fazia minha primeira sessão de quimioterapia. Uma sessão longa de quase nove horas, mas a qual meu corpo respondeu bem. Hoje já se passou um terço desta parte do tratamento. Estou trabalhando, me exercitando, levando uma vida normal, com cuidados, proteção, oração, obedecendo meus limites. Mas vendo a vida de um jeito diferente. Recebi uma enxurrada de mensagens carinhosas, cheias de energia e força de pessoas que nem conheço, mas mostraram que me amam e torcem por mim. Sou grata a cada uma delas. Quero brigar pela prevenção e tratamento adequado para outras mulheres que dependem apenas do SUS, da burocracia e demora de um atendimento que não pode esperar. Mas meu médico me pediu um tempo para eu me recuperar antes de começar essa batalha... como aquela orientação das máscaras de emergência de um avião: primeiro coloque a sua, depois, nos outros.
E entramos em 2021, na verdade só trocamos a folhinha do calendário, porque a vida segue no mesmo ritmo, as vacinas já são uma realidade em muitos países, mas aqui até imunizar toda a população vai demorar. Minha resposta à minha filha vai sendo adiada, agora confesso que já digo: "Filha, vida normal, normal como tínhamos, acho que só no fim deste novo ano".
Estou em férias, descansando no nosso Litoral, acabei não encontrando o assunto leve e gostoso para contar para vocês. Desta vez acho não vai ter nem ti-ti-ti do meu bronzeado na minha volta, se bem que mesmo não me expondo muito ao sol já dou uma tostadinha com o calor. Então, quem sabe? Este ano que passou nos ensinou que planos e previsões podem ser adiados e desmarcados, que não temos o controle de nada e que o melhor mesmo é tomar alguns cuidados, mas deixar a vida nos levar!
*O colunista David Coimbra está em férias e retorna no dia 15/01 - INTERINA
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