sábado, 28 de fevereiro de 2009



UM OUTRO FINAL PARA OS CONTOS DE FADAS
Claudia Sanzone

Sempre achei que os contos de fadas terminam com um desfecho desconfortante: “... e foram felizes para sempre.” Fico pensando na pobre da criança que se ilude com a idéia despreocupada de que o término da cada historinha determina o início de uma eternidade sem adversidades e sofrimentos. Um dia ela cresce e vai se dando conta de que a vida real não é exatamente assim.

Lá no mundo da fantasia, até pode ser que os personagens vivam essa tal felicidade que começa e se eterniza no fim de cada narrativa. Um mundo mágico, então. Mas os personagens são de carne e osso. Enquanto estão em cena, falam como nós, pensam e sofrem como qualquer mortal. Se nós não conseguimos ser felizes para sempre, eles também não poderiam, ora!

O que não faz sentido é tentar combinar uma ficção possível com um depois que não tem nada a ver. Dá a impressão de que o autor já achou que fez mais do que sua obrigação e resolve acabar o conto assim, de má vontade, como se estivesse apressado para fazer alguma outra coisa. Aí solta um “e foram felizes para sempre” e pronto, missão cumprida.

Francamente, que falta de respeito com os leitores pueris!

O “Era uma vez...” é outro motivo de inconformação minha. Parece que há uma preocupação tão grande com o desenrolar, com o miolo da história, que certos contistas infantis não se esforçam para trabalhar com um pouquinho mais de apreço o início de seus contos.

Concordo que era uma vez não deixa de ser uma frase de efeito e que tenha até a função de pedir a atenção do pequeno ouvinte ou do leitor mirim, só que de uma forma mais delicada. Tudo bem. Dou a braço a torcer e absolvo o era uma vez, então.

Mas com o foram felizes para sempre eu não me conformo, não tem jeito. Deve haver uma maneira de se tratar com mais respeito as imaginaçõezinhas que foram tão fiéis, tão minuciosamente atentas a cada passagem da história contada.

Apesar da pouca idade, qualquer criança sabe que a vida não se resume a um episódio. A consciência de que um fato sucede outro e de que o mundo é formado por um cordão interminável de histórias que se emendam já existe na mente dos pequenos.

Não é justo deixar a criatividade infantil à deriva, com a pobreza desse chavão tão batido. Seria muito mais digno se a finalização seguisse um modelo, digamos, mais “viniciano” – que tão bem soube traduzir a transitoriedade do amor: “... e foram felizes provisoriamente, porque o amor só é eterno enquanto dura, posto que é chama”.

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