segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009



16 de fevereiro de 2009
N° 15881 - PAULO SANT’ANA


Não há civilização

O fator mais grave e alarmante da crise civilizatória brasileira não é a falta de segurança nas ruas, a sucessão de assaltos e outros tipos de roubos que infestam as cidades brasileiras.

O detalhe que nos remete para os tempos das cavernas, envergonhando a nação, embora dele a sociedade não tome conhecimento por pouco se importar de sua realidade, é o caos carcerário.

No fim de semana se soube de um caso de um empresário envolvido no escândalo do mensalão que foi recolhido a uma prisão e lá, onde permaneceu durante três meses, foi extorquido pelos presos, permanecendo a chantagem e a extorsão mesmo depois dele ter sido libertado, o que revela o poder que têm as quadrilhas organizadas, com sede dentro dos presídios.

Um dado aterrador foi agora revelado pelo jornal o Globo: os líderes das quadrilhas que comandam as facções carcerárias estão forjando suicídios nas celas de presos, mortes que são provocadas por homicídio (execução) dentro dos presídios para aparecem como suicídios.

Somente em janeiro passado, foram encontrados em presídios de Alagoas cinco cadáveres de presos que estavam degolados, em casos de aparente suicídio.

O Ministério Público e a OAB acreditam que um esquadrão da morte está agindo nas cadeias alagoanas.

Em São Paulo, onde está depositado mais de um terço dos mais de 400 mil presos brasileiros, o método de eliminação física dos presos sofisticou-se também para uma falsificação: o comando interno dos presídios, isto é, o comando dos presos, sentencia que alguém, por qualquer motivo, entre eles o de se ter tornado “desafeto” da cúpula por não ter pago dívida de compra de drogas, tem de morrer.

O “condenado” é apanhado pelos outros presos encarregados pela execução e obrigado a ingerir um líquido chamado de “gatorade”, uma mistura de água com cocaína, que provoca a parada cardiorrespiratória.

A morte entra para a estatística policial e carcerária como “natural”.

Outro método, tão cruel quanto o citado acima, é de se entregar ao detento escolhido para morrer um “kit-suicídio”, composto por um banquinho e uma “teresa” (pano que serve como corda). O escolhido “se suicida” como “prêmio” para não sofrer morte mais cruenta.

Imaginem os leitores o ambiente de terror, de tortura e de dor em que se tornaram as prisões brasileiras.

Se 1% desses milhares de crimes ocorridos dentro dos presídios, com vítimas ou autores entre os próprios presos, ocorressem nas ruas, pela sofisticação dos métodos e ambiente de horror que se impregnam nesses atos, a sociedade se levantaria em protestos que iram redundar em uma revolução cultural.

O diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o nosso gaúcho Airton Michels, declara que o núcleo do colapso carcerário brasileiro se localiza na superpopulação.

Ele diz ser inaceitável que onde caibam 300 presos sejam depositados 900 ou onde só possam estar 50 pareçam 200.

Também diz não ser possível que apenas 10 agentes cuidem de 500 presos.

E faz uma revelação eloquente: “Não há preocupação dos agentes em controlar os presos, e sim o cuidado de preservar a própria vida. E com razão”.

Nem nos tempos medievais, nem nas épocas diversas mais escuras do caimento do processo civilizatório eram verificados tal primitivismo, tais violências físicas e psicológicas, reinantes nos presídios brasileiros.

E a “sociedade organizada” esconde tudo isso debaixo do seu tapete.

Todos fingem que esse holocausto da comezinha dignidade humana não existe.

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