segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009



16 de fevereiro de 2009
N° 15881 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


O Leitor

Antes, falava-se em “leitores”. Nesse contexto cultural, Stendhal, em Do Amor, afirmou que escrevia para 100 leitores. Machado de Assis também falava em seus “leitores”, e de maneira bem explícita.

O que era designado sempre no plural passou, a partir de certo momento da cultura, a ser tratado como único (o Leitor). Com isso, a palavra ganhou conotações enormes.

Já não tratávamos de entes identificáveis, mas de uma personalização: o Leitor é esse ente humano [pois se comporta como tal] porém de existência abstrata, que carrega a espada da justiça a decretar se um livro é bom ou mau. E é para o Leitor que os escritores escrevem, embora muitos possam dizer que o fazem para si mesmos.

O assunto conduz diretamente à ideia do Leitor Ideal, que é diferente do Leitor sem quaisquer adjetivos. O Leitor Ideal é mimoseado com atributos positivos: inteligente, culto, honrado, informado sobre ciências ocultas e sobre o pensamento iluminista. Em especial, ele entende tudo o que o escritor quis dizer, o que é um salvo-conduto em meio ao campo conflagrado das letras.

Já o Leitor Comum é um ente das qualidades mais modestas, mais pálidas; é um pouco inseguro, um pouco desinformado, um pouco difícil de entender as coisas.

Muitos escrevem apenas para esse Leitor Comum e, de concessão em concessão, trivializam seus textos com platitudes inomináveis, mas asseguradoras de boas vendas. Não sei o que pensarão naquele último minuto da existência, quando a vida toda passa como um filme de cinema mudo.

Seja Leitor Comum ou Ideal, o fato é que o escritor depende deles. São para eles que o escritor escreve, por eles o escritor dá sua vida, o melhor de seu tempo, sua paixão mais verdadeira, sua saúde e sua paz.

Se o Leitor soubesse o calafrio que provoca nos escritores, seria bem mais compassivo e generoso do que já é.

Ao abrirmos um livro, pensemos muito antes de saltar suas páginas ou jogá-lo ao pó do fundo da estante: pois se há vários Leitores, o escritor sempre será um só, sempre concreto, sempre feito de sensibilidade, sangue, músculos e nervos.

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