domingo, 15 de fevereiro de 2009


ELIANE CANTANHÊDE

Farsa e realidade

BRASÍLIA - Estamos todos morrendo de vergonha com a reviravolta do caso Paula Oliveira: ninguém viu skinhead nenhum, há possibilidade de automutilação, e a moça nem sequer estava grávida.

Lula chegou a berrar contra "tamanha violência", Amorim acusou "evidências de xenofobia", Marcondes Gadelha, da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, protestou na embaixada da Suíça, TVs e jornais encheram-se de indignação, e grupos brasileiros estavam prontos para ir às ruas, hoje, em Zurique.

Um vexame! O que seria selvageria neonazista está confluindo para uma patologia individual, em que a vítima é também tristemente ré.

A reviravolta, porém, não muda os efeitos de uma crise que começou na maior economia e se alastra dramaticamente. Com Alemanha, Reino Unido, Holanda, Portugal, Espanha e Itália em recessão e registrando aumento de desemprego, a xenofobia perde o pudor e emerge. Com ou sem skinheads, a história de Paula toca numa ferida tão real que habitava e explodiu no inconsciente da moça. E no nosso.

O Brasil foi do ataque à defensiva, depois de autoridades, imprensa e cidadãos suíços reclamarem retratações. O que, além de constrangedor, enfraquece futuras investidas em defesa de brasileiros agredidos e humilhados no mundo desenvolvido, mas não elimina a essência de toda a discussão: a resistência crescente e agressiva aos imigrantes de países emergentes ou periféricos.

Se os cortes em Paula são superficiais, lineares e femininos demais para terem sido feitos por brutais skinheads, eles não eliminam as dores dos brasileiros humilhados em aeroportos espanhóis, sem banho, sem ressarcimentos e até sem dentes, perdidos a socos policiais.

Paula pode ter sido um erro, mas o erro maior está lá. Por que foi tão fácil inventar e acreditar num ataque de skinheads? Porque há quem não creia em xenofobia, mas que ela existe, existe. E tende a piorar.

elianec@uol.com.br

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