segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009


MOACYR SCLIAR

Renda, orgasmo e crise

Ela tem certeza de que, quando as coisas melhorarem, e as coisas um dia melhorarão, ele retornará e será como antes

Homens mais ricos proporcionam mais prazer às mulheres durante relações sexuais, segundo afirma uma pesquisa recém-publicada de dois cientistas, Thomas Pollet e Daniel Nettles, da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. Segundo o estudo, quanto mais rico é o parceiro, mais frequentemente sua parceira chega ao orgasmo.

Os autores da pesquisa dizem que esse resultado é condicionado por uma "adaptação evolutiva" que faz com que as mulheres instintivamente selecionem os parceiros de acordo com a sua percepção de qualidade.

"Parceiros mais desejáveis levam as mulheres a terem mais orgasmos", afirma Pollet. De acordo com ele, a influência do nível de renda sobre a frequência de orgasmos é maior que outros fatores, como a beleza física.

BONITO ELE NÃO ERA . Estava já na casa dos 50, era baixinho, careca e tinha um curioso tique facial que se expressava numa intrigante careta. Mas ela o adorava.
Em primeiro lugar porque ele era um demônio na cama, capaz das maiores proezas sexuais e em qualquer posição. Depois, porque ele ganhava muito dinheiro. Esse detalhe era importante.

De família pobre, vivendo modestamente de seu salário como secretária, ela sonhava com o luxo, com a fortuna. Não que obtivesse dele tais coisas; casado, não moravam juntos, mas ele pagava o aluguel do apartamento dela e fornecia-lhe o que eufemisticamente chamava de "ajuda de custo".

Mas o simples fato de saber que ele ganhava dinheiro funcionava como verdadeiro afrodisíaco. E ele ganhava muito dinheiro apostando na Bolsa. Passava o dia inteiro informando-se sobre cotações e balanços de empresas, comprava e vendia ações. E os seus rendimentos não paravam de crescer.

A certa altura, ela, que tinha uma vocação frustrada para a economia, resolveu fazer (de brincadeira, claro) um gráfico,
no qual comparava o número de seus orgasmos por semana com os rendimentos dele. As curvas eram exatamente paralelas. Quanto mais ele ganhava, mais orgasmos ela tinha.

Veio a crise, as ações desabaram. O reflexo nas relações deles não tardaram. Ele mostrava-se preocupado, porque ganhava cada vez menos, e isso se refletia em seu desempenho.

Já não tinha vontade de fazer sexo e ela, consequentemente, não tinha orgasmos. As curvas despencaram, e, no caso dela, chegaram ao zero. Sim, porque a certa altura ele simplesmente desapareceu.

É triste, mas ela não guarda rancor. Sabe que o mesmo tem acontecido com empresários e altos executivos. A depressão econômica corresponde à depressão psicológica e sexual. Ela tem certeza de que, quando as coisas melhorarem, e as coisas um dia melhorarão, ele retornará e tudo voltará a ser como antes.
Para se consolar, ela comprou um vibrador.

Um equipamento barato (o dinheiro anda escasso) que, provavelmente por causa do baixo preço, não é dos melhores: mesmo seguindo rigorosamente as instruções do manual ela não consegue ter orgasmos.

Mas continua aplicando o tal vibrador. Não por causa do sexo, por causa dos gráficos: está segura de que, quando tiver um orgasmo, poderá enfim respirar aliviada: a crise terá terminado e ele voltará.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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