terça-feira, 20 de fevereiro de 2024


20 DE FEVEREIRO DE 2024
NÍLSON SOUZA

Aventura no templo

Nunca estudei no Instituto de Educação General Flores da Cunha, que reabriu neste início de semana, restaurado, para recuperar a sua condição de referência no ensino público de Porto Alegre e do Estado. Porém, por uma dessas circunstâncias improváveis na vida de um estudante de periferia, foi nas dependências daquele verdadeiro palácio grego que vivi uma das maiores emoções de minha vida estudantil, recebendo um estímulo decisivo para a minha formação pessoal, profissional e cultural.

Eu tinha 12 anos e jamais havia saído do bairro Sarandi, onde passei a infância. Estudava num colégio público dos mais precários, o então Grupo Escolar Doutor Ferreira de Abreu, hoje uma escola estadual de Ensino Fundamental muito mais bem estruturada e operando em outro local. Na minha época, era um antigo pavilhão de madeira situado na esquina das atuais avenidas Assis Brasil e Francisco da Silveira Bittencourt, tão rudimentar que tinha até um poço com roldana no pátio para saciar a sede da criançada.

Pois bem, numa manhã daquele pretérito mais-que-perfeito da minha infância, apareceram na escola dois senhores engravatados do Rotary Club da Capital e promoveram uma eleição entre os alunos do 5º ano para escolha do "melhor companheiro" da turma. Voto "livre e espontâneo dos colegas", como consta no diploma que até hoje guardo com indisfarçável orgulho. 

A professora me levou de ônibus e subiu comigo as escadarias do Instituto de Educação, onde, num auditório lotado, recebi também um outro presente de valor afetivo inestimável: o livro Coração, do italiano Edmondo de Amicis, um clássico de literatura infantojuvenil que contribuiu para a formação de gerações de leitores, entre os quais personalidades como os poetas Manuel Bandeira e Paulo Mendes Campos. Foi, também, o primeiro romance que li do início ao fim, fascinado e identificado com as aventuras de um grupo de meninos da minha idade na transição para a adolescência.

Muitos anos depois, aprovado no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e iniciando o meu curso de Jornalismo na Faculdade de Filosofia, voltei a passar em frente ao Instituto de Educação. Olhava para aquelas colunas jônicas inspiradas no templo de Ártemis, em Éfeso, uma das sete maravilhas do Mundo Antigo, e ficava pensando que espaços destinados à magia da educação - como minha antiga escola e esse templo oportunamente recuperado - são verdadeiros portais de transição para um futuro digno.

NÍLSON SOUZA

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