POSTURA DE MAGISTRADO
Novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o maranhense Flávio Dino, 55 anos, tem a sua trajetória até aqui dividida entre o Judiciário e a política. Para a cadeira que agora assume na mais alta Corte do país, aguarda-se que consiga distinguir na prática os dois papéis e ter uma atuação isenta, técnica e independente, exatamente a esperada de um juiz. É o que Dino tem prometido desde a sua indicação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Terá de demonstrar esse compromisso no dia a dia do tribunal, no qual poderá ficar por até 20 anos.
Não é saudável para o país o STF ser percebido pela população como parte ativa da polarização que divide a sociedade. Essa impressão, no entanto, tem se acentuado nos últimos anos. Os presidentes da República têm a prerrogativa constitucional de indicar os membros do Supremo, ainda que a palavra final seja formalmente do Senado.
Nas escolhas mais recentes, das gestões Lula e Jair Bolsonaro, percebe-se a preferência por escolher alguém da confiança pessoal, como se o objetivo primordial fosse contar com aliados na Corte, e não dispor de bons intérpretes da Carta. O critério do notável saber jurídico, que já levou a escolha de figuras sem qualquer vínculo com o mandatário de ocasião, parece ter ficado em segundo plano. É um sintoma das sucessivas crises políticas, institucionais e de corrupção dos últimos anos.
Dino teve uma passagem saliente pelo Ministério da Justiça ao longo do ano passado. Ganhou notoriedade pelo embate com a oposição bolsonarista nas redes sociais e nas vezes em que foi chamado ao Congresso. Fez da ironia uma arma, o que atiçou ainda mais a animosidade dos oponentes.
Até por essa característica combativa, Dino tem uma responsabilidade maior. Ao vestir a toga de novo ministro do STF, deve despir-se do figurino de político ligado à esquerda e ao governo Lula, mantendo compromisso apenas com a Constituição, as leis e o decoro. Cedo ou tarde, será chamado a posicionar-se sobre temas de interesse do Executivo federal ou que envolvem adversários do PT. Também herdará processos que envolvem o ex-presidente Bolsonaro. Suas posições e votos, portanto, serão avaliados com lupa. Só a consistência legal e a coerência o salvarão das dúvidas que poderão cercar seus posicionamentos.
Há ainda a questão do comportamento pessoal. São conhecidos os vícios de certos ministros do STF afeitos a falatórios em excesso e opiniões sobre temas que podem vir a julgar. Será conveniente se Dino cultivar a postura de pronunciar-se apenas nos autos, evitar a demasia de decisões monocráticas e atuar conforme os preceitos da harmonia entre os poderes. Seria algo positivo não apenas para o próprio ministro, mas também para a imagem da Corte. A ministra aposentada Rosa Weber, a quem substitui, seria um bom modelo a ser seguido.
O saber jurídico de Dino não é questionado. Foi juiz federal por mais de 20 anos, presidiu a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e comandou a secretaria-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Depois, ingressou na política. Foi deputado federal, governador do Maranhão e, no ano passado, elegeu-se senador. Transitou, portanto, pelos três poderes da República. No STF, a consciência de magistrado tem de se sobrepor sempre às convicções políticas.
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