06 DE FEVEREIRO DE 2024
OPINIÃO DA RBS
REFLEXOS DA INTOLERÂNCIA
O ataque antissemita a uma comerciante de Arraial d?Ajuda, na Bahia, na última sexta-feira, é mais um episódio a demonstrar o risco do discurso de ódio. Palavras têm peso e, quando se alimenta ou se relativiza a intolerância e o preconceito, não é raro que as consequências transbordem para a violência física.
Deve-se lembrar que o antissemitismo é uma variante do racismo. É crime - inafiançável e imprescritível - no Brasil. Hostilidades verbais ou discriminação de qualquer tipo devem ser repudiadas e devidamente punidas. Mas os fatos ganham contornos ainda mais sérios quando há danos materiais, ameaças e tentativa de agressão contra a vítima. Na situação específica da semana passada, uma cidadã chilena tentou atacar a empresária pela simples condição de judia da comerciante. O resultado da explosão de fúria só não foi mais grave, mostram as imagens do acontecido, porque o companheiro da agressora a segura.
O caso é apurado pela Polícia Civil baiana, e a Justiça local decidiu por medidas cautelares para evitar que a mulher chilena volte a se aproximar da vítima. A investigada também foi proibida de deixar o Brasil enquanto durar o processo. Aguarda-se que o episódio tenha pleno esclarecimento. Após elucidadas as condutas, caso se confirme o que as imagens parecem deixar claro, não se espera nada diferente de uma responsabilização que, à luz da legislação penal vigente, seja didática e contribua para desencorajar atos semelhantes. Mesmo assim, à investigada devem ser asseguradas todas as prerrogativas de defesa.
Um aspecto no episódio de Arraial d?Ajuda que chama atenção é o relacionado ao teor dos ataques verbais proferidos. É como se a agressora atribuísse à comerciante culpa por desdobramentos trágicos da guerra entre Israel e Hamas após o ataque do grupo terrorista de 7 de outubro do ano passado. A circunstância de alguém ter uma determinada origem étnica ou racial ou nacionalidade não a põe como responsável por quaisquer atos de um governo de ocasião. Muito menos justifica que essa pessoa passe a ser alvo de impropérios e ameaças.
Essa, infelizmente, tem sido uma confusão recorrente após o início do conflito em curso no Oriente Médio. Muitas vezes é até incentivada por lideranças políticas inconsequentes, disseminando-se, ao fim, por meio do discurso de ódio, facilitado pelas redes sociais. A guerra deflagrou uma onda global de antissemitismo. Muitas vezes, aparece sob o disfarce do antissionismo. Ou seja, seria uma reprovação endereçada ao Estado de Israel, e não ao povo judeu.
É lamentável que no Brasil, uma nação diversa e de histórico de convivência respeitosa entre cidadãos de diferentes origens, também sejam registrados casos do gênero. Neste contexto, parece faltar uma desaprovação institucional mais firme e inequívoca do governo brasileiro aos ataques antissemitas. Após o caso da Bahia, o vice-presidente Geraldo Alckmin foi contundente ao condenar veementemente o ocorrido.
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, foi mais hesitante ao afirmar que repudia tanto o antissemitismo como a islamofobia. Por óbvio, a islamofobia, outro preconceito, não deve ser aceita. Mas o acontecimento em questão nada teve de intolerância contra muçulmanos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferiu outra vez o silêncio. Há ocasiões em que se manter silente também é uma postura investida de significados.
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