sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024


09 DE FEVEREIRO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

AS DIGITAIS DA TRAMA GOLPISTA

Uma investigação séria sobre a se- quência de acontecimentos que culminou com a balbúrdia golpista de 8 de janeiro de 2023 não poderia se limitar a alcançar apenas quem invadiu e depredou os prédios dos três poderes em Brasília. Em nome da higidez da democracia brasileira, para desencorajar novas aventuras autoritárias no futuro, é dever identificar e punir, conforme a legislação vigente, os atores que planejaram, incentivaram e financiaram a investida violenta determinada a desrespeitar o resultado legítimo das eleições de 2022.

O 8 de Janeiro não foi um acontecimento isolado, mas o corolário de um longo período de tentativas reiteradas de desacreditar o sistema eleitoral, de cooptação de parte das Forças Armadas, de ataques a instituições e de instigação de massas pela propagação metódica de desinformação. Novas peças do quebra-cabeça a ser montado, que permitirá ao país ter uma visão completa das circunstâncias geradoras dos acontecimentos daquele domingo à tarde, vieram a público ontem. Estão nos elementos e informações apurados pela Polícia Federal (PF) fundamentadores da decisão que deflagrou a Operação Tempus Veritatis, assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os indícios coletados e organizados pela PF, muitos extraídos da delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, são bastante graves. Revelam as digitais de ex-assessores de Bolsonaro e ex-ministros, em especial da ala militar. Implicam também diretamente Bolsonaro, que, conforme Cid, teria participado inclusive de ajustes na elaboração de uma minuta voltada a dar verniz de legalidade a um golpe e à detenção de autoridades. A operação de ontem teve quatro mandados de prisão, sendo três cumpridos, e 33 de busca e apreensão. Um dos alvos foi o próprio ex-presidente Bolsonaro, que deverá entregar o seu passaporte.

Alguns dos indícios obtidos pela Polícia Federal são imagens de vídeo de uma reunião com claras intenções golpistas e trocas de mensagens com o mesmo objetivo. Antes mesmo das eleições, as tramas antidemocráticas já estavam em curso. A PF aponta que, em tese, as situações sob análise se constituem em crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado. 

Exatamente pela gravidade dos fatos sob análise e pela proporção que o caso ainda pode tomar, espera-se que a apuração transcorra com a firmeza e a cautela necessárias. Aos investigados devem ser asseguradas todas as prerrogativas para que exerçam com plenitude seu direito de defesa. O respeito ao conjunto de garantias de ordem constitucional, nesta fase e nas próximas, caso aconteçam, é o pilar para a justiça ser feita e aceita.

É importante assinalar ainda outro aspecto, conforme se observa nas evidências apresentadas pela PF. A despeito da participação de parcela da ala militar do governo e oficiais graduados da ativa na urdidura de uma ruptura institucional, a maior parte da cúpula das Forças Armadas manteve-se fiel à Constituição.

O Brasil atravessa um período penoso de cisão social e radicalização. A polarização é um obstáculo ao apaziguamento necessário para a normalidade institucional, pressuposto para o país passar a focar mais energias na solução de seus problemas reais. A aquietação, no entanto, não é sinônimo de impunidade.

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