Quando dei banho em minha mãe
Não existe cena mais emocionante do que um filho cuidando de seus pais. Quando existe uma inversão generosa de papéis. O filho percebe a fragilidade paterna ou materna e a envolve de surpreendente proteção.
Crianças aninhando suas mães no pequeno colo, adolescentes tirando os sapatos de seus mentores, adultos assumindo a responsabilidade de seus velhos doentes - eis uma pintura da natureza do afeto que arranca o meu mais fundo suspiro.
Porque extrapola a lógica das relações, a expectativa da hierarquia familiar, e demonstra que o amor não tem idade: o amparo pode vir de quem se via acostumado a receber carinho. Quando morreu a minha avó, minha preocupação foi salvar a minha mãe. Fiquei com medo de que ela também morresse. O falecimento de um integrante de casa lembra que todos são capazes de perecer, é um despertador de nossa finitude.
Não importava que eu era pequeno, com apenas sete anos. Maria Elisa chegou do enterro arrasada, com olhar parado, e lhe fiz o que ela me recomendava na tristeza. Recordei que ela me dizia: "Tome banho que logo você melhora".
Eu a conduzi para o quarto, abri a água quente da banheira, tirei seu vestido preto e dei banho na minha mãe. Ensaboei as suas costas com esponja. Não havia nudez naquele momento, só dor. Ficamos em silêncio ouvindo o barulho das águas abafar as lágrimas. Eu a sequei, vesti-a com sua camisola, ofereci um copo de água e aspirina, arrumei seus dois travesseiros um sobre o outro e subi o cobertor para a ponta fina do seu queixo.
Permaneci no quarto escuro até ela adormecer. Até ela se acalmar. Até ela obliterar, por um breve instante, o que tinha acontecido, o quanto a sua história havia sido afetada definitivamente. Você somente passa a envelhecer depois de perder a mãe. Adota uma nova dimensão dos limites, da precariedade humana.
Sua morte começa a contar a partir desse ponto. Não tem mais o ventre do seu início. Não tem mais a origem do seu corpo, o útero de sua ligação com o mundo. Muda seus olhos para sempre, percebendo com maior clareza o tempo que resta.
Você unicamente amadurece com a morte de sua mãe. Atravessa uma ponte para jamais retornar, entre quem era e quem se tornou. Você submerge na mais oceânica saudade. Não mais aquela saudade de alguns minutos, mas uma saudade de muitas horas, de um dia inteiro sem falar com ninguém.
Eu esqueci o meu sofrimento de neto para combater o sofrimento de filha que ela estava experimentando. Eu era antes filho para entender o que significava perder a mãe.
Parecia que alguém dentro de mim me mandava realizar tudo aquilo. Não duvido de que tenha sido a minha própria avó.
Você unicamente amadurece
com a morte
de sua mãe.
Atravessa uma ponte para jamais retornar
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