terça-feira, 6 de fevereiro de 2024


06 DE FEVEREIRO DE 2024
NÍLSON SOUZA

Mosquitocida

Estou muito longe de ser um São Francisco de Assis, mas mantenho razoáveis relações diplomáticas com todos os animais que cruzam o meu caminho, inclusive répteis e insetos. Não me peçam para matar uma barata. Vou para o diálogo, até mesmo porque sempre pode ser o Gregor Samsa metamorfoseado.

Reconheço, porém, que alguns bichinhos peçonhentos ou apenas repulsivos costumam despertar nossos piores instintos. As cobras, por exemplo. Apesar de protegidas pela legislação ambiental, que prevê pena de reclusão de dois a cinco anos para quem tirar a vida de uma serpente, ainda são hostilizadas por homens e mulheres. E não é de agora. No filme sobre a vida de Noé, é marcante a cena em que a família do patriarca bíblico observa os animais subindo na arca quando a mulher do herói solta um grito de espanto:

- As cobras também?

Pois embarcaram, sobreviveram ao dilúvio e vêm resistindo bravamente aos ataques humanos ao longo do tempo. Algumas, inclusive, aprenderam a contra-atacar. É o caso dessas sucuris e pítons que, de vez em quando, viram notícia por terem engolido pessoas. Ainda assim, eu não considero as cobras nossas inimigas. Claro, também não as convidaria para jantar. 

Há alguns anos, inclusive, uma enxerida dessa espécie rastejante (pequena, é verdade) instalou-se na minha biblioteca sem ser convidada. Exigi que se retirasse. Ela resistiu bastante, acho que queria terminar a leitura de algum livro. Mas acabou sendo convencida a entrar num saco plástico e ganhou carona até um matagal das proximidades. Foi o máximo de rudeza a que cheguei. Espero que a bichinha não tenha guardado rancor.

Embora esteja convencido de que é melhor conviver pacificamente com a bicharada, sou obrigado a confessar que tenho um inimigo irreconciliável no reino animal. É o mosquito. Esse eu não levo livre. Seu zumbido desperta o mosquitocida que se oculta em algum recanto da minha alma pacifista. Eles - essa celebridade chamada Aedes aegypti e todos os seus parentes chupadores de sangue - adoram o meu O negativo. Então, me defendo como posso, inclusive atacando primeiro quando tenho oportunidade.

Mas acho que eu e você, que talvez nem se importe tanto com os zumbidores, estamos perdendo essa guerra. Li nesta semana que 85% dos bairros de Porto Alegre estão infestados pela praga voadora que transmite dengue, zika e chikungunya e ainda deixa pápulas, aquelas bolotas que ficam coçando na pele da gente. O Estado e boa parte do país já enfrentam surtos de dengue. Precisamos reagir. Parafraseando a citação de Saint Hilaire sobre a saúva, ou o Brasil acaba com o mosquito ou o mosquito acaba com o Brasil.

NÍLSON SOUZA

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