06 DE FEVEREIRO DE 2024
CARPINEJAR
Bundão de hipopótamo
Você já deve ter sido atropelado por um mochileiro. É um acidente urbano inevitável. Nunca saberá quando vai acontecer, e não adianta olhar para os lados antes de atravessar um corredor.
O mochileiro é um personagem cada vez mais recorrente na cena cotidiana, porque maleta e pasta são artigos raros, quase extintos, no mundo do trabalho. Até executivos e empresários usam mochila. Nos aeroportos, a tendência é evitar o despacho pago de bagagem e carregar os pertences consigo.
O que mais se vê é aquela carga excessiva nas costas dos transeuntes, sempre apressados, sempre pedindo passagem. O mochileiro é um anjo atrapalhado, faz o mal sem querer. Como ele não enxerga o que leva, acaba arrastando as pessoas ao seu redor.
Tem o hábito de atuar no avião e no ônibus, mas pode estender seus tentáculos em qualquer multidão. Do que ele gosta mesmo é de espaços lotados, onde realiza seus maiores estragos.
Ele coloca tudo o que pode na mochila. Vira um bagageiro de carro. Transporta parte da sua casa. É como se estivesse indo para a selva com mantimentos para dois meses. Mesmo em trajetos curtos, exagera no peso. Lembra um montanhista, um alpinista, parece que se desloca para acampar.
Rebola seu bundão de hipopótamo para o azar de quem está por perto. Como a bolsa segue descolada de sua pele, simplesmente acoplada, com existência própria, ele não tem a sensibilidade de perceber os danos que causa. Nem sequer pede desculpa. Vive derrubando desavisados em ambientes apertados, acuando velhinhos, assustando crianças, criando pânico em casais de mãos dadas.
Para manter o equilíbrio, não é capaz de mexer o pescoço. Experimenta um torcicolo permanente, tendo que girar o corpo inteiro para se movimentar para trás. Com isso, bate a sua sacola traseira freneticamente em tudo o que estiver próximo, decepando elegâncias.
É um efeito dominó de "opa!", "olhe por onde anda", "saia de cima de mim". Eu já apanhei muitas vezes dessa figura desengonçada, desse motoboy sem moto, em zigue-zague constante. Recebi bordoadas de suas alças, arranhões de seus zíperes, cintadas de suas tiras. Cheguei a segurar com a cara o bolsão inteiro de um cidadão, por alguns torturantes segundos, enquanto ele dava espaço para alguém passar.
Apesar de apanhar na frente de todos, de gritar por socorro, de suplicar compaixão de modo humilhante, eu não tenho nem como registrar um BO, pela natureza evidente da distração. Além dos péssimos condutores de guarda-chuva, que ocupam indevidamente as marquises e caminham de cabeça baixa com as varetas apontadas para nós, agora precisamos nos precaver de quem dirige perigosamente a sua mochila. O mochileiro é um anjo atrapalhado,
faz o mal. sem querer. Como ele não enxerga o que leva, acaba arrastando as pessoas
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