HOLOCAUSTO
Há dois usos para esta palavra grega adaptada ao latim e idiomas modernos. Originalmente, refere-se ao sacrifício animal em que a vítima é totalmente imolada, mas utiliza-se também para designar o massacre ígneo de oponentes. O tema envolve crueldades revoltantes, mas tudo o que ocorreu no passado pode ser examinado e também comparado, e esse conhecimento tem especial valor para compreendermos a história e tentarmos melhorá-la. Por que deixaríamos de analisar as pulsões violentas da humanidade, tristemente recorrentes?
Hôlos, em grego, é a totalidade, e káo é o verbo queimar, de onde vem kaustós, queimado (como em cauterizar). Para os helenos antigos, o sacrifício era uma festa com churrasco; ofereciam aos deuses gorduras, entranhas e ossos, e assavam e consumiam as carnes, com vinho, cantos e danças. O sacrifício em que a vítima é inutilizada era lúgubre, um tipo de culto heroico, porém, o termo definiu-se mesmo quando a bíblia hebraica, a Tanakh ou Miqra, foi vertida para o grego por 72 sábios (a Septuaginta), por encomenda de Ptolomeu II Filadelfo (286-246 a.C.), fundador da Biblioteca de Alexandria. Então traduziu-se por holocausto a palavra hebraica olah, que designa, no Pentateuco, a fumaça que sobe dos sacrifícios.
É problemático designar genocídios como holocausto, pois neste caso quem promove o massacre equipara-se a um sacerdote em ofício religioso, realizando oferenda a alguma divindade. Todavia, por força do vocabulário bíblico, o termo tem sido usado com esta acepção ao menos desde 1833, quando o jornalista Leitch Ritchie descreveu como holocausto o incêndio produzido em 1143 por Luís VII de França (1137-1180) na cidade de Vitry-le-François, em que foram queimadas 1,3 mil pessoas refugiadas em uma igreja. Depois disso, em 1895, assim referiu-se o massacre de armênios por turco-otomanos, de que resultaram cerca de 50 mil crianças órfãs.
Ainda com autoria turca, o incêndio de Smirna (1922), como parte do genocídio armênio (1914-1922), foi descrito como holocausto desde 1925 e também por Winston Churchill, em 1929. Em 23 de maio de 1943, em artigo de Julian Meltzer no The New York Times, usou-se pela primeira vez a palavra holocausto para indicar o judeicídio nazista. Após 1945, esse termo descreveu os bombardeios de Dresden e Hiroshima e outros massacres, como os de Stalin na Ucrânia (1932-33) e dos Tutsi em Ruanda (1994). Já o conceito de genocídio foi cunhado em 1944 pelo advogado polonês Raphael Lemkin e definido em 1948 pela ONU como "os atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".
Talvez entorpecidos pela violência do genocídio brasileiro, ainda carente de justiça, em que morreram desnecessariamente 525 mil das 700 mil vítimas da covid-19, muitos custem a perceber e admitir um genocídio ora em curso, com características de holocausto, e a reconhecer sua similaridade com outros massacres da história da desumanidade, frutos da pulsão bélica e de seus interesses malignos. Isso não nos impede de clamar para que cesse imediatamente o genocídio do povo palestino, com ahimsa.
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