quarta-feira, 29 de novembro de 2023


29 DE NOVEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

O tormento do esconde-esconde

Brincar de esconde-esconde me desanimava. Nunca entendia o propósito da brincadeira. Eu tinha que me esconder, mas não perfeitamente a ponto de não ser achado. Eu dependia de um esconderijo mais ou menos, que não fosse fácil nem insondável. Que a pessoa não me avistasse logo, e tampouco perdesse a vontade de me localizar.

Não poderia ser atrás da porta ou das cortinas, debaixo da cama ou da mesa. Na verdade, eu precisava ser descoberto com alguma resistência, talvez para sair correndo da minha sombra em vantagem e ganhar a disputa batendo na árvore.

Era uma brincadeira pela metade. Uma brincadeira com alto grau de fingimento. Lembro que uma vez eu tirei pastas e máquinas de escrever estragadas da estante de cima do armário da lavanderia e entrei num lugar em que fiquei dobrado, imprevisível para o meu tamanho. Subi até ali com a ajuda da mesa, sem escada aparente para me denunciar.

Meus irmãos me procuraram durante 20 minutos, e não me perceberam. Até porque deduziram que aquela antiga despensa se mantinha repleta de tralhas.

Sofri com o escuro, com o silêncio, com o cheiro das pedras fosforescentes de naftalina, respirando baixinho, não podendo tossir ou espirrar pela poeira proeminente do local. Aguentei de maneira espartana, comovente, como um animal em perigo.

Depois de uma hora encaixotado, não havia mais nenhuma voz da expedição no quintal. Desci de minha montanha imaginária e constatei com tristeza que tinha sido esquecido, abandonado: a brincadeira acabara e sequer fui avisado. Diante da desistência de todos, não ganhei a disputa, não terminei declarado como vencedor.

Qual a graça da minha façanha? Nenhuma.

Meus irmãos estavam de banho tomado e jantando. Ainda recebi uma reprimenda da mãe pela demora. Por pouco, não fiquei de castigo no quarto. O esconde-esconde é uma metáfora pertinente aos joguinhos de sedução (ou seriam de dedução?) nos relacionamentos.

Somos ensinados a ocultar as nossas emoções. A não dizer que estamos apaixonados. O outro é que deve desvendar nosso refúgio, o outro é que deve partir do encalço de nossas pistas e decifrar nossos sinais falsos, o outro é que deve se mostrar incansável.

Não é recomendável responder rapidamente a mensagens, ou permitir romance na primeira noite, ou se portar com disponibilidade, ou aceitar qualquer convite. Predomina um comportamento dissimulado, ambíguo, em que a regra é se fazer de difícil.

O risco é não ser espontâneo, não ser verdadeiro, e talvez jamais ser encontrado, porque você encobriu tão bem o que sentia que ninguém ficou sabendo, muito menos a parte interessada.

CARPINEJAR

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