30 DE NOVEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS
JURAMENTO ESQUECIDO
Merece completa e profunda investigação o caso levado a conhecimento público de um grupo de médicos do Hospital Nossa Senhora da Conceição, da Capital, que batiam o ponto normalmente na instituição como se estivessem iniciando mais uma jornada de trabalho, mas em seguida deixavam o local para ir à academia, fazer compras ou atender pacientes em consultórios particulares. Depois, retornavam para registrar o fim do expediente, na verdade descumprido. Essas foram algumas das sequências flagradas por investigadores da Polícia Federal (PF) ao longo de seis meses de apurações que levaram à deflagração da Operação Hipócrates na terça-feira.
É fato que os brasileiros, de Norte a Sul, estão tristemente acostumados a tomar conhecimento de desvios de conduta no serviço público. Mesmo assim, é assombrosa a desfaçatez das atitudes descritas no curso da investigação da PF, que ainda vai atrás de mais provas para melhor detalhar a possível fraude. Espanta por serem profissionais que fizeram um juramento ético para exercer um dos mais nobres ofícios. Na situação específica, são empregados concursados com salários polpudos de até R$ 31 mil, pagos rigorosamente em dia.
Diz o Juramento de Hipócrates, que versa sobre os compromissos assumidos pelos médicos ao fim da formação acadêmica: "A saúde e o bem-estar de meu paciente serão as minhas primeiras preocupações". Ao que parece, os cuidados de pessoas enfermas sob suas responsabilidades não eram exatamente a prioridade dos envolvidos.
Espera-se que o prosseguimento das investigações traga elementos para esclarecer definitivamente o que ocorreu e, confirmadas as atitudes irregulares, a responsabilização seja exemplar. Os investigados, no entanto, devem ter irrestrito direito à defesa e ao devido processo legal. Mas a penalização justa, uma vez comprovada a conduta ilegal, é essencial para desestimular práticas semelhantes. A própria operação da PF deve contribuir para desencorajar comportamentos similares.
Um dos pontos obscuros a esclarecer é se outras pessoas na instituição tinham conhecimento do que vinha ocorrendo. Há, no mínimo, uma falha preocupante nos mecanismos de controle de cumprimento de jornada do hospital, exclusivamente voltado ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A direção afirma que, se as acusações forem confirmadas, demitirá os implicados. Esse é ainda mais um caso a servir de alerta para gestores públicos da área, como foi o episódio de médicos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), em Porto Alegre, que não cumpriam seus horários, com reflexos na prestação de um serviço em que a agilidade é primordial para salvar vidas.
Os nomes dos investigados não foram divulgados. Compreende-se o cuidado da PF. Mas essa circunstância também eleva a expectativa de que o inquérito tenha breve desfecho formal, com prosseguimento nas demais instâncias legais previstas. O esclarecimento definitivo do episódio e a depuração do quadro de colaboradores também são de interesse do corpo clínico do hospital, em ampla maioria reconhecido pelo profissionalismo e pela dedicação ao público atendido pelo SUS.
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