Sentando a lenha
Mick Jagger, hoje com 80 anos, certa vez deu um conselho precioso para vocalistas de rock?n?roll que se apresentam ao vivo: "Quando tá tudo errado, quando a banda se perdeu no ritmo, ninguém sabe qual nota tocar, ou qual verso cantar, dá uns pulos!". Funciona, eu garanto, por experiência própria.
O público se entusiasma, pula também, e a festa segue. Mas, cedo ou tarde (de preferência cedo), a banda deve retomar o rumo e terminar a canção (de preferência todos juntos). Para que isso aconteça, é bastante comum que o vocalista, o guitarrista e o baixista se virem para o baterista, à procura de uma orientação. No caso da formação clássica dos Stones, ele se chamava Charlie Watts, que hoje teria 82 anos. Ele sempre botou ordem na bagunça com um sorriso nos lábios.
Charlie não era um típico baterista de rock. Ele segurava a baqueta da caixa como um jazzista, isto é, tocava "de lado", só torcendo o pulso e praticamente sem movimentar o braço. Era um músico excepcional, admirado por qualquer baterista que se preze, e sua técnica apurada com certeza ajudou a criar o estilo dos Stones. Contudo, tocar "a la Charlie Watts" é para poucos.
Quase sempre o baterista de rock senta a lenha na caixa, isto é, usa a força do pulso combinada com a do braço, de modo a ganhar potência. Ao contrário de Watts, que transpirava pouco e poderia tocar de terno e gravata, os reles mortais atrás da bateria suam bastante e terminam o show extenuados.
Por isso, pela grande exigência física, é comum que bandas longevas, ao perderem seu baterista original (por qualquer motivo), coloquem no lugar um guri de 30 e poucos anos. No caso dos Stones, não foi o que aconteceu. O atual baterista se chama Steve Jordan, tem 66 anos, começou tocando blues e já havia colaborado com a banda várias vezes antes de assumir a titularidade. Jordan está presente no recente álbum Hackney Diamonds, o melhor dos Stones nos últimos anos. Embora tenha um estilo mais vigoroso que Watts, também não é de suar muito. Toca seu instrumento com absoluto domínio técnico.
Para quem, como eu, vibra com bateristas que sentam a lenha, mesmo sessentões, recomendo ir a um show (ou ver uma gravação atual) da Blondie (formada em 1974) ou do New Order (de 1980). Clem Burke, aos 68 anos, é a usina de energia da Blondie, suando em bicas e fazendo a banda segui-lo em alta velocidade. Stephen Morris, com 65, não fica pra trás: continua batendo com força, mesmo um pouco barrigudinho. Nesses tempos de etarismo explícito ou disfarçado, ver Jagger dando seus pulos salvadores, ou ouvir um velho baterista sentando a lenha durante todo o show, é cada vez mais inspirador.
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