terça-feira, 28 de novembro de 2023


28 DE NOVEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

MENOS BRAVATA E MAIS MODERAÇÃO

A moderação ganha mais espaço do que as ideias radicais e as palavras contemporizadoras tomam lugar das bravatas. Pouco mais de uma semana após vencer a eleição para a presidência da Argentina, o autointitulado anarcocapitalista Javier Milei vai se rendendo ao pragmatismo. A guinada é bastante perceptível no campo das relações internacionais, como mostra a tentativa de se reaproximar do Brasil.

Durante a campanha, Milei deu a entender que romperia com o governo brasileiro. Avisou que tiraria a Argentina do Mercosul e chamou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de "corrupto" e "comunista". Ainda na semana passada, mostrando recuo, avisou que o petista seria "bem-vindo" em sua posse. No domingo, a sua futura chanceler, a deputada eleita Diana Mondino, foi a Brasília se encontrar com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para entregar o convite endereçado a Lula para a investidura de Milei, no próximo dia 10 de dezembro. Diana defendeu o fortalecimento do Mercosul e o acordo de livre-comércio costurado com a União Europeia. O convite dirigido ao par brasileiro fala no desejo de "construção de laços".

Era imaginado que, com o tempo, a estridência da campanha seria amenizada conforme a realidade fosse se impondo ao governo Milei. Surpreende, no entanto, a rapidez da mudança de postura. Mas é algo positivo, deve-se registrar, para diminuir riscos de a antipatia pessoal entre os dois presidentes prejudicar a relação histórica, cultural e econômica de Brasil e Argentina. 

Economista, professora universitária e executiva, Diana é considerada uma moderada. Por suas ocupações, sabe bem que seria altamente prejudicial para o seu país deixar que posições ideológicas atrapalhassem os negócios. Ainda durante a campanha, enquanto Milei distribuía caneladas, ela se encontrou mais de uma vez com representantes da diplomacia brasileira. Na semana passada, esteve com o embaixador da China na Argentina, também para aparar arestas. Os chineses também foram alvo preferencial dos insultos do ultraliberal.

Mesmo que o novo comportamento de "El loco" Milei comece a decepcionar seus apoiadores de primeira hora mais entusiasmados, é preciso dizer que o país vizinho tem mais a ganhar com a modulação. A situação da Argentina é dramática. Excetuando-se o agronegócio, tem uma economia pouco competitiva, situação fiscal em frangalhos, pobreza em alta e inflação de 140% ao ano. 

Há pouca margem de manobra também no Congresso, onde Milei conta com base reduzida. Não seria criando problemas com o Brasil, parceiro estratégico histórico e principal cliente das exportações argentinas no ano passado, que a situação melhoraria. Pelo contrário. Tampouco seria produtivo manter a retórica agressiva contra a China, maior compradora de mercadorias argentinas em anos de safra agrícola normal.

Nas relações internacionais, os interesses de Estado têm de estar acima das semelhanças ou discordâncias políticas dos presidentes de turno. É nessas horas de ruídos que as diplomacias profissionais e os atores de bom senso têm de atuar para distensionar o ambiente e conter danos. Exatamente o que ocorre agora. Aguarda-se que Lula reflita e considere a possibilidade de estar na posse de Milei.

A mudança de postura também é observada em outras áreas, muito devido à influência do ex-presidente argentino Mauricio Macri. Representante da direita tradicional, Macri apoiou Milei no segundo turno e agora exerce papel de moderador do futuro governo. A escolha do ex-presidente do Banco Central Luis Caputo para a pasta da Economia simboliza essa ascendência. Cogita-se que essa indicação possa até sinalizar incerteza quanto à ideia de dolarização da economia argentina. A conferir, depois da posse, se o novo inquilino da Casa Rosada vai insistir em sua agenda de choque ou se acabará despido do figurino de personagem excêntrico que o catapultou para o poder, contido pelos políticos profissionais.

OPINIÃO DA RBS

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