TORCENDO O DESTINO
Laura - Estou cada vez pior. Além de não conseguir dormir, de não conseguir transar com minha mulher, de não conseguir pagar minhas dívidas, agora me brotaram bolinhas nojentas na barriga da perna. Parecem grãos em pequenos sacos dispostos na mesa da minha panturrilha. Por tudo isso, resolvi procurar outro babá para cuidar da minha espiritualidade. Ele se chama Alarino. É filho de Nanã - sou de Nanã, euá, euá, euá, ê; sou de Nanã, euá, euá, euá, ê; sou de Nanã, euá, euá, euá, ê. Sinto-me culpada por ter deixado o terreiro. Mas não poderia aguentar mais tanta violência do babá Querino. Escuto ainda a voz dele colada ao meu ouvido direito me dizendo que meu futuro será de infelicidade com a mulher que eu decidi amar, com a casa que nós resolvemos comprar, com a vida que eu resolvi levar.
Analista - Mulher, casa e vida são substantivos femininos, não?
Laura - São femininos, mas o que isso tem a ver com a vida que eu quero levar e que ele não quer que eu leve?
Analista - Levar a vida. Como assim? Levar a vida como se leva um quilo de batatas num saco ou numa bolsa de supermercado? E para onde levá-la?
Laura - Quando eu era pequena, meu pai me colocou dentro de um saco de linhagem (...).
Analista - Qual pai? Até aqui, tu já citaste dois, Querino e Alarino.
Laura - Não, não são esses. Falo do meu genitor, Lucino, o marido de minha mãe. Um homem sempre trabalhador e sempre muito violento. Certa vez, quando eu era muito pequena, ele amarrou bem a boca de um saco de linhagem, comigo dentro, e me atirou no meio da plantação de milho, aipim e outras coisas que havia no terreiro, digo, terreno. Sobrevivi porque minha mãe me salvou.
Mas hoje me sinto à beira da morte novamente. Não tenho dinheiro para pagar as prestações da casa, não tenho dinheiro para pagar o pedreiro e nem os materiais para dar continuidade à construção. Minha vida está parada, a construção está parada. Sinto-me sufocada no meio do terreno. Tudo está dando errado na minha vida.
Analista - Algo tem dado certo. Laura - O quê tem dado certo? Analista - O oráculo do teu babá, do teu pai Querino.
Laura - Isso mudou. Ele deixou de ter importância para mim. Não escuto mais a voz dele me dizendo o que devo ou não fazer.
Analista - Ah, me equivoquei, então. Tu não continuas obediente a ele quanto à previsão oracular de fracasso, de dor e de infelicidade? Ele não continua ainda traçando o teu destino, como se não houvesse possibilidade de torsão?
Laura - E há possibilidade de torsão do destino? Analista - Existe o certo porque de outro lado está o incerto. Existe o destino porque de outro lado está o acidente. Existe Orunmilá porque de outro lado está Bará.
Laura - E como eu faço para torcer o destino? Analista - Quem sabe tu possas cantar algo que não seja um hino a Querino ou a Lucino?
Laura - Oxum era rainha, na mão direita tinha o seu espelho onde vivia a se mirar. Será que esse serve?
Analista - Ficamos por acá, hoje. Laura - Não seria por aqui?
Analista - Resolvi torcer o "i".
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