sexta-feira, 10 de novembro de 2023


10 DE NOVEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

Mania de conversar durante procedimentos

Meu dentista Róbson é um gentleman, um cavalheiro. Explica tudo o que fará e anuncia cada etapa finalizada. Aliás, não há categoria tão bem-humorada quanto a odontológica.

Como o sorriso é o cartão de visita desse profissional, esbanja o gosto pelo ofício com uma alegria que já vem expressa no cumprimento em voz alta e firme. Foi-se o tempo em que tínhamos medo do consultório, em que entendíamos a cadeira do dentista como açougue obrigatório. Hoje faço consultas trimestrais, e não sofro nenhum contratempo de dor com a tecnologia disponível.

Dificilmente encontraremos uma feição desdentada na rua, ou com a dentição torta. É até engraçado enxergar senhores e senhoras de aparelho, vivendo uma adolescência tardia. O que ainda não compreendo é a mania do dentista de querer conversar no meio dos procedimentos. É possível prosear antes ou depois, mas não na hora das intervenções, quando você se encontra amordaçado.

Não sei qual a estratégia, qual a teoria que fundamenta a prática: desde sempre, todo dentista ao longo de minha vida, sem exceção, não para de falar no momento em que não tenho como falar, em que me encontro com a boca imobilizada para corresponder às expectativas do tratamento.

A loquacidade do meu dentista não combina com o meu laconismo. É inviável. Que ele me dê conselhos sobre o uso da escova de dente, sermão a respeito do fio dental, reprimendas sobre a higiene inadequada, tudo que não envolva interação. Escutar eu posso, responder que é complicado.

Não há como ser recíproco com dois alargadores na minha boca, várias compressas nas bochechas, um aparelho futricando meus dentes, e tendo que obedecer a seus comandos: "abra a boca", "feche a boca", "cuspa", "rosto mais para o lado", "rosto mais para cima", "rosto mais para baixo".

O que me resta é retribuir com grunhidos: - Aham, aham!

Esforço-me para ser simpático com o emprego arrastado de vogais.

Eu desejaria sinceramente bater papo (ele é culto e inteligente), não é indisposição de minha parte. Inclusive porque as perguntas não são genéricas, não são de múltipla escolha para assinalar com um "x", propícias para um chute, para um breve "sim" ou "não", para simplesmente assentir com a cabeça.

Demonstram um legítimo interesse pela minha pessoa: - Como estão os filhos?- Mariana passou no mestrado?- Vicente já se formou? - Como foi a viagem para a Espanha com a esposa?

Se eu pudesse dizer algo, explicaria que conversar não distrai o desconforto. Nessas situações tensas, o silêncio é o melhor remédio.

CARPINEJAR

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