terça-feira, 7 de novembro de 2023


07 DE NOVEMBRO DE 2023
INFORME ESPECIAL

Da lama do Rio Taquari para os donos

Uma história com final feliz brotou da lama do Rio Taquari, em Arroio do Meio, no último fim de semana. Quase dois meses depois da enchente, Karine Weizenman Schmeier e os filhos Cauã e Júlia (foto) recuperaram o pequeno tesouro levado de casa pela correnteza: uma maleta com carrinhos de brinquedo.

Como mostrei aqui na coluna, no último dia 30, a aposentada Noeci Dalpian encontrou a valise no pátio de casa, depois que o rio baixou, e decidiu buscar os donos. Karine e os filhos, que perderam quase tudo na inundação, ficaram sabendo da história por um primo e quase não acreditaram quando viram a foto da mala - um presente do médico Ricardo Schmidt, para quem ela trabalha como secretária há mais de duas décadas.

- Ele deu a valise para o meu guri brincar, e ele passou a deixar os carrinhos lá dentro. Era uma recordação que o Cauã guardava com carinho há muitos anos. Foi muito legal reencontrar a mala. Da tristeza, brotou a esperança - reflete Karine.

O trabalho invisível

A mãe que prepara a comida da família; a avó que veste o neto para a escola; a mulher que cuida da casa de outra mulher para que esta também possa ganhar o seu dinheiro? tudo isso é trabalho.

Curioso é que ganhou a fama de "invisível", não porque não aconteça, mas por ser desvalorizado e, em geral, não remunerado. Muitas vezes, a atividade nem mesmo é classificada como trabalho.

Só que essa dedicação toda é fundamental para mover a roda da economia e sustentar carreiras. Sem isso, muita gente não poderia sequer ter um ganha-pão, em especial a parcela dos homens que ainda está alheia às funções domésticas ou que se limita a dizer que "ajuda" em casa - como se a casa não fosse dele.

Por sorte, isso está ficando no passado, e as tarefas são cada vez mais divididas. Há homens que também fazem dupla jornada no cuidado com os filhos, inclusive com a guarda compartilhada. O mundo está mudando, mas as mudanças de cultura são lentas. E são ainda mais difíceis nas áreas periféricas.

Não é por menos que a "economia do cuidado" - outro nome dado ao trabalho invisível - anda ganhando espaço em reportagens, podcasts, pesquisas acadêmicas e até na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no último domingo.

O enunciado, é verdade, não ajudou muito. Ficou truncado. No lugar de "desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil", daria para resumir a frase de forma mais clara.

No fundo, o que vale é: passou da hora de reconhecer a jornada múltipla de quem não cuida apenas de si, mas de famílias inteiras, indo ao supermercado, preparando refeições, lavando roupa, fazendo faxina, olhando pelos idosos, dando banho nas crianças e botando a turma para dormir.

Se você tem alguém assim por perto, valorize, apoie e divida a carga. Essas pessoas fazem o mundo girar.

JULIANA BUBLITZ

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