segunda-feira, 6 de novembro de 2023


06 DE NOVEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

A CULTURA DO ZELO

É desanimador saber que dos 23 chuveiros instalados no trecho 3 da orla do Guaíba, um dos novos cartões-postais de Porto Alegre, 22 foram furtados ou depredados em menos de dois anos de funcionamento. Não é só lá nem é apenas na capital gaúcha. O vandalismo e a depredação do patrimônio público, em muitos casos potencializados pelo comércio clandestino, são desafios permanentes para os administradores de quase todas as grandes cidades brasileiras e se constituem em frustração constante para os cidadãos ordeiros, que acabam pagando duplamente o preço da pilhagem - pelos tributos que custeiam esses equipamentos e por não poderem utilizá-los quando estão danificados.

Infelizmente, o país ainda não encontrou remédios eficientes para combater essa cultura do descaso, que atinge vários setores da sociedade. Claro que o primeiro responsável é o gestor público, a quem cabe a vigilância, a preservação e a repressão aos delinquentes que atacam o patrimônio coletivo. Mas são tantos e tão frequentes os ataques que se tornou praticamente impossível manter servidores e policiais vigiando todos os espaços públicos de forma permanente. Nem mesmo os recursos da tecnologia antivandalismo, utilizados na instalação dos chuveiros da orla porto-alegrense e em outros locais, têm sido suficientes para conter os predadores nas grandes cidades.

Mas esse não é um mal inexorável da humanidade. Nos centros urbanos do chamado Primeiro Mundo, a maioria deles frequentada por multidões de diversos segmentos sociais, são raros os casos de depredação e furto em equipamentos públicos. Existe controle e vigilância, certamente, mas grande parte desses cuidados são exercidos pela própria população, tanto por meio do uso disciplinado dos recursos de todos quanto pelo espírito de coletividade que inibe desvios de conduta. Não é obrigação do cidadão reprimir delitos, mas compete-lhe observar e acionar as autoridades sempre que constatar alguma irregularidade - evidentemente, sem se expor a riscos e represálias.

A repressão aos vândalos e ladrões é dever do Estado, que detém o monopólio da lei e da força. É uma ação necessária, certamente, mas não é a única forma de coibir desvios de comportamento e talvez nem seja a mais eficaz. Já está comprovado, tanto pela experiência de países mais evoluídos quanto por casos específicos praticados nas regiões em desenvolvimento, que a educação para a cidadania e a cultura do pertencimento são recursos mais adequados para se alcançar o sucesso na preservação do patrimônio público e privado.

Não há como colocar um guarda em cada monumento, ainda que a tecnologia das câmeras de vigilância possibilite alternativas mais abrangentes para esse controle por parte dos administradores públicos. Mas há, sim, como colocar respeito e engajamento na consciência dos usuários, por meio da informação correta, de campanhas públicas bem direcionadas e, principalmente, de políticas oficiais centradas na cidadania, com direitos e deveres para todos: o direito de usar os bens públicos condicionado ao dever de preservá-los. A cultura do zelo pode ser o melhor antídoto para a cultura da depredação.

OPINIÃO DA RBS

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