quinta-feira, 23 de novembro de 2023


23 DE NOVEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

O carteiro e o poeta

Eu aspirava a ser carteiro. Acabei sendo poeta. Quando pequeno, eu me emocionava com aquela figura vestida de amarelo e azul, com boné e sacola de pano.

Ela parecia conhecer todas as ruas, os quintais, onde tinha cachorro bravo ou só a placa de cachorro bravo para assustar intrusos.

Ela tinha a permissão de apertar as campainhas e interfones, sonho de qualquer criança, e não ser escorraçada como em um trote.

Ela tinha a autorização de observar as pessoas, de mudar a vida das pessoas com um bilhete de amor, ou uma aprovação de concurso, ou uma admissão de emprego, ou um cartão de um amigo distante.

O mundo dependia dos carteiros num período desprovido de internet, de celular, de conexões digitais.

Escrevíamos cartas, esperávamos cartas. Exercitávamos a caligrafia, mantínhamos contato frequente com a cola e com os envelopes.

As novidades do dia vinham com selos carimbados.

Meu pai não apenas recebia correspondência, parava tudo para conversar com o nosso entregador, interrogando o que ele trazia. Predominava um suspense com sua aparição ao portão.

- Oh, Nejar, acho que hoje só tem contas.

- Oh, Nejar, acho que hoje tem coisa boa: muitos pacotes.

Ele aumentava a esperança ou confortava a frustração. Cada embrulho, cada missiva era como um destino entregue em mãos.

Talvez eu tivesse inveja da importância do mensageiro, da frequência com que se falava dele dentro de casa. Há invejas que viram admiração. Talvez quisesse que meu pai perguntasse por mim tanto quanto perguntava pelo carteiro.

A partir das 11h, o pai não parava quieto, ansioso, indo do escritório para a varanda e questionando várias vezes a família:

- O carteiro já chegou?

Talvez meu desejo de ser carteiro se resumisse a ser amado pelo pai. Eu via resplandecerem, nos seus olhos verde-limo, as expectativas felizes, a gula pelo mundo, o apelo pelo reconhecimento.

Os carteiros amarelos ainda existem. São mais discretos com a concorrência de inúmeros serviços de entrega. Só são vistos quando se faz necessário assinar um Sedex. Praticamente, carregam urgências ou faturas. E desaparecem pelas esquinas sem serem percebidos, com a invisibilidade do vento.

O reconhecimento social diminuiu com o tempo, mas jamais o meu apreço por sua função.

Se eu fosse carteiro, eu atrasaria o serviço, acumularia pendências, seria demitido rapidamente, porque eu não aguentaria a curiosidade: ficaria na frente do residente até ele abrir o conteúdo na minha presença. Não suportaria sair dali sem saber o que aconteceu.

Pois este texto é para você, meu pai: - Oh, Nejar, sou seu carteiro por um momento.

CARPINEJAR

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