OPINIÃO DA RBS
ENTRE O MÉRITO E A MOTIVAÇÃO
Após um período de relativa aquietação, o país passa pelo princípio de uma nova crise institucional. Desta vez, envolvendo o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF), com respingos no Executivo. A causa do atrito é a aprovação pelos senadores de proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe decisões monocráticas na Corte. É um tema que requer análises por diferentes ângulos e contextos.
Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que é uma medida na direção correta no sentido de conter o excesso de deliberações individuais dos ministros do STF nos últimos anos. O que deveria ser uma exceção passou a ser um expediente usado indiscriminadamente. Ao limitar decisões monocráticas, o colegiado é fortalecido. Ao fim, é positivo para o Supremo como instituição, embora contrarie ministros que se acostumaram ao expediente, que muitas vezes teve uso inadequado e colaborou para o STF passar a ser alvo de críticas sistemáticas de uma parcela da população por invadir competências de outros poderes. O texto aprovado na PEC diz que um ministro não pode suspender lei ou norma de repercussão geral chancelada pelo Congresso e sancionada pela Presidência da República.
É preciso lembrar que o próprio STF, no final do ano passado, durante a presidência da ministra agora aposentada Rosa Weber, deu uma guinada em sentido equivalente. A mudança no regimento interno também limitou a farra dos pedidos de vista que acabavam na prática dando ao ministro o poder de paralisar o julgamento de uma matéria por tempo indeterminado.
Mas, mesmo reconhecendo méritos na decisão do Senado, é dever registrar que os motivos que levaram a PEC a prosperar são questionáveis. Decisões desta importância não podem ser movidas por revanchismo ou interesses particulares e eleitorais de senadores. Não é segredo que a Corte está na mira de alas ligadas ao bolsonarismo pela atuação do STF nos últimos anos.
Também noticia-se a existência de um movimento do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no sentido de fazer um aceno a colegas situados mais à direita no espectro ideológico, visando à futura eleição na Casa, em benefício do aliado Davi Alcolumbre (União-AP). De mesma forma, circulam informações de que Pacheco busca uma postura mais crítica ao STF com o objetivo de tornar mais viável eleitoralmente sua candidatura ao governo de Minas Gerais em 2026.
O STF, como qualquer instituição, é passível de críticas e está sujeito a aperfeiçoamento. O comportamento de alguns ministros, em especial os mais verborrágicos, também é merecedor de reparos. Mas não é aconselhável esquecer que a Corte teve um importante papel durante a pandemia e atuou com firmeza na defesa da democracia. É preciso atentar, portanto, se a PEC em questão não integra uma estratégia mais ampla com propósito perigoso de ir além do equilíbrio dos poderes e, na verdade, ser parte de uma escalada intimidatória. Mesmo assim, outra vez tem de ser ressaltado: ministros falham, sim, na autocontenção.
O episódio ganhou novos contornos pela decisão do senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo na Casa, de votar a favor da PEC. O resultado foi que o Executivo foi tragado para a crise. Nos bastidores, informa-se que o STF poderia retaliar, trancando pautas de interesse do governo. Deve-se crer que não passa de bravata. O ideal seria que, nos próximos dias, munidas de bom senso, as partes envolvidas modulem as palavras e os gestos para evitar o recrudescimento do conflito.
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