03 DE JULHO DE 2023
CAPA
Contra o racismo e o negacionismo
Em "Uma Chance de Continuarmos Assim", Taiasmin Ohnmacht cria uma história futurista para abordar questões do presente
Graças à mãe, uma leitora assídua, Taiasmin Ohnmacht cresceu entre livros. Começou a ler com afinco na adolescência, principalmente poesia, típica na fase dos amores platônicos. Resolveu grandes dores com a escrita, botando no papel o que a afligia, como o excesso de timidez e o fato de ser a única menina negra em um colégio particular na Porto Alegre dos anos 1980.
Passou a escrever contos e histórias curtas após uma oficina com Alcy Cheuiche, retratando dilemas relacionais e de gênero, ora com homens sentindo-se desnorteados no envolvimento com uma mulher, ora com personagens deparando com impasses e situações sem saída. O sentimento de angústia que advém de sua escrita fez o poeta Ronald Augusto defini-la, sem tom depreciativo, como "um pesadelo".
- Gosto do insólito, do fantástico, de falar sobre coisas que as pessoas evitam. Gosto de desconcertar o leitor - concorda a escritora de 51 anos, que também é psicóloga e psicanalista e tem em Franz Kafka uma de suas leituras preferidas.
Há muito desse desconforto em seu primeiro romance, Vozes de Retratos Íntimos (Taverna, 2021), em que imprime traços autobiográficos de sua família. Filha de uma negra e de um branco vindos de São Paulo e a única da família a nascer no Rio Grande do Sul, Taiasmin é testemunha do amor que pode surgir entre pessoas de etnias diferentes, mas também do racismo nem tão implícito que permeia uma relação inter-racial.
- O Vozes tem a ambição de querer tratar da mistura racial com a complexidade que isso tem. Não é a solução para o conflito do racismo, mas também não quer dizer que é impossível que haja amor entre origens raciais diferentes. Quando tem essa hierarquia absurda entre raças e culturas, é difícil contar a história de um jeito que todas as origens tenham importância, mas eu tentei.
Com Vozes, tornou-se uma das poucas escritoras negras a vencer o Prêmio Açorianos de Literatura, conquistado no início do ano na categoria Narrativa Longa, além do Prêmio AGES. O livro também foi finalista do Jabuti em 2022 e do Prêmio São Paulo de Literatura.
Desafio
Ela não perde a vontade de desacomodar em seu novo livro, Uma Chance de Continuarmos Assim, recém lançado pela Diadorim. Inspirada na escritora americana Octavia Butler, uma das poucas mulheres a escrever ficção científica - e, para melhorar, dotada da ousadia de inserir temas raciais e de gênero -, Taiasmin inventa uma história futurista que critica o racismo e o negacionismo.
Duas estudantes negras, Paula e Marcela, criam uma máquina do tempo que lança uma delas para o futuro. Mas esse tempo que é sinônimo de esperança está em risco. Há dois povos em disputa: um que faz manipulações genéticas para atingir um biotipo ideal, e assim tornar seus integrantes menos suscetíveis a doenças, e outro que conseguiu controlar infecções com as vacinas. Enquanto o primeiro é eugênico, asséptico e "branco de doer o olho", o segundo é culturalmente miscigenado e preserva valores ancestrais enquanto também acredita na ciência.
Taiasmin escreveu o livro durante os anos de pandemia, enquanto via políticos e parte da sociedade questionarem as vacinas.
- Fiquei apavorada com o negacionismo científico, me pareceu que estávamos vivendo uma distopia. O Brasil sempre foi referência em imunização. Além do mais, no discurso de parte da população, parecia haver um apelo à pureza branca e heterossexual que me soava próximo do eugenismo - diz.
Acometida por um problema comum que afeta mulheres - o de achar que precisa fazer uma grande obra para ser reconhecida, sem entender que aquilo que fez é valioso -, Taiasmin admite que se cobra bastante. Tanto que a garota tímida que começou com poesias românticas virou a escritora que se atreve na ficção científica.
- Gosto de desafio na escrita. Para mim, escrever é montar um grande quebra-cabeça.
KARINE DALLA VALLE
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