sábado, 2 de novembro de 2019



02 DE NOVEMBRO DE 2019
J.J. CAMARGO

A FALTA QUE A HUMILDADE FAZ

Depois da lambança que Richard Nixon protagonizou no inicio do segundo mandato que culminou com sua renúncia, em 1974, a única na história da democracia dos EUA, os três anos que restavam foram cumpridos por Gerald Ford que, ao fim desse tempo, concorreu como candidato natural do Partido Republicano, agora habilitado a disputar a presidência. O candidato da oposição, o democrata Jimmy Carter, filho de um plantador de amendoim da Geórgia, no sul, foi massacrado durante a campanha pela mídia política e elite cultural (calma, a história é americana!) e, num famoso debate de outubro de 1976, foi atropelado pela arrogância de Gerald Ford, porque Carter parecia menos adequado à estrutura de poder vigente em Washington.

A virada histórica foi atribuída a uma resposta no último debate, quando o moderador ofereceu quatro minutos a cada candidato para as considerações finais, usados por Ford para realçar as diferenças entre os postulantes: ele com uma sólida experiência como vice-presidente e finalmente três anos como presidente, inclusive com destacada atividade na sofisticação da CIA e do FBI, indispensáveis à soberania nacional, enquanto o seu concorrente tinha propostas de governo proporcionais à sua modesta experiência política como um agricultor que fora governador da Geórgia. 

Quando lhe foi passada a palavra para que, nos mesmos quatro minutos, deixasse sua mensagem, Jimmy Carter declarou que não usaria todo aquele tempo, porque simplesmente queria dizer que ficara impressionado com a quantidade de segredos que os republicanos tinham para guardar e que, quanto a ele, tudo o que podia prometer é que nunca mentiria ao povo americano. A vantagem de Ford nas pesquisas desmoronou, e Carter tornou-se o 39º presidente dos EUA. Mais uma vez o narcisismo tinha perdido para si mesmo.

Se a história dessa eleição americana tivesse sido entendida em toda a extensão e as suas lições, didáticas e universais, envolvendo soberba e subestimação da inteligência popular, tivessem sido aprendidas, provavelmente a oposição brasileira não estaria hoje tão desesperadamente raivosa, procurando os responsáveis pela ascensão ao poder de um presidente, que na opinião dela, não tinha condições de exercer a nobre função.

Se as incontestáveis denúncias de corrupção não tivessem sido simplesmente negadas, como se a população fosse demente e a ponto de aceitar que bilhões desapareceram por algum mal entendido, e tivesse havido a humildade de admitir os erros cometidos, talvez a implacável lei da natureza que determina que a toda ação corresponde igual reação não teria se aplicado com tanta contundência. Ninguém, com massa encefálica preservada, pode negar que o PT, convencido do seu irresistível poder, estirou a corda até o limite, e quando virou o fio da tolerância brasileira, se tornou o maior cabo eleitoral de Bolsonaro.

É pouco inteligente procurar alhures os culpados, quando todo mundo lembra que, durante quase duas décadas, eles compartilharam o mesmo endereço da desfaçatez. E nada de estranho nisso: a maioria prefere conviver com pessoas que comunguem das mesmas ideias, porque a unanimidade afasta a dúvida e traz a paz da certeza serena. Esta, que é indispensável na construção da paralisia cerebral do fanatismo.

P.s.: neste sábado, às 15h30min, autografarei Se Você Para, Você Cai no Pavilhão da Feira do Livro. Vai ser um prazer abraçá-los lá.

J.J. CAMARGO

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