'Vou fazer o que puder para combater o racismo', diz Giovanna Ewbank
A atriz chora ao pensar que os filhos podem sofrer discriminação, revela que já foi vítima de assédio e anuncia que se prepara para comandar um reality show na Netflix
17.nov.2019 às 2h00 - Victoria Azevedo
EDIÇÃO IMPRESSA
Um palhaço, desses que ganham seu sustento nas calçadas das grandes cidades, fazia estripulias e brincava com pessoas na rua Oscar Freire, área nobre de São Paulo, quando deu de cara com a apresentadora e atriz Giovanna Ewbank, 33.
“Você tá cada vez melhor, hein? Tá investindo numa água francesa na pele, não é possível. Manda um abraço pro Bruno [Gagliasso, marido dela]”, disse, em tom de brincadeira.
Giovanna vive entre o Rio de Janeiro e São Paulo e estava na capital paulista naquele dia para gravar uma entrevista com o ator Rodrigo Santoro para o seu canal do YouTube, o Gioh, que tem 3,22 milhões de inscritos e conta com uma equipe de mais de 20 pessoas.
Ela se emociona ao lembrar das entrevistas que fez com as cantoras Preta Gil e Karol Conka para o canal. “Nós falamos de temas como o racismo. E isso me toca muito. Quando escuto de alguém que sofre na pele...”, diz, e leva as mãos aos olhos para secar as lágrimas.
“Nunca vou saber o que é passar por um preconceito como esse. Mas tenho filhos que vão passar e, ah...”, interrompe, com a voz embargada ao se referir a Títi e Bless, os dois filhos que adotou no Maláui. Ela faz uma pausa e dá um longo respiro antes de seguir. Ao longo da conversa, se emociona sempre que fala das crianças.
“É muito importante a gente ser antirracista. E vou fazer tudo que puder para combater isso. Independentemente de eu levar porrada por isso, se falarem que não é o meu lugar. Tenho dois filhos negros e vou combater isso de todas as maneiras que eu puder. Quero que eles sejam fortes e tenham orgulho, batam no peito e vão pra cima. Não quero que se amedrontem”, continua.
Títi, apelido carinhoso de Chissomo —que significa “graça divina”— foi adotada em 2016. Em julho, a família cresceu: Blessings, que nasceu no mesmo país da irmã, chegou em casa.
O casal já entrou na Justiça contra ofensas racistas à filha. “Eu e o Bruno temos isso muito certo na nossa vida. Se for pra gente levar porrada, vamos lá”, segue.
Ela diz que, mesmo seus filhos sendo pequenos, tenta aproximá-los de temas do dia a dia de “maneira suave”. “É importante mostrar saídas para esse mundo cruel em que vivemos. Para que eles cresçam com pensamentos, que eu vejo como importantes, sobre racismo e o papel da mulher na sociedade.”
A atriz conta que sempre se incomodou por ser lembrada como a esposa de alguém, e não por seus próprios méritos. “E olha que isso acontece até hoje. Sempre falam que eu estou onde estou porque sou casada com o Bruno.”
“Ainda existe essa coisa da mulher não ser como o homem, e que mulher é sempre burra. Principalmente com o meu estereótipo, de loira, e com o biotipo que eu tenho.”
“Mas, olha, se quiserem falar, que falem. Isso já me atingiu muito. Antes, sofria sozinha. Mas, agora, a gente tá num momento de debater essas questões. Nós, mulheres, estamos num lugar de poder apontar o dedo e falar o que está errado. De nos respeitar e apoiar uma à outra. E apesar do retrocesso que a gente vê na sociedade, existe essa nova geração que luta e bate no peito. Quero que a minha filha seja assim, forte, e que não se amedronte como eu me amedrontei.”
Giovanna lembra de situações ao longo de sua trajetória artística em que se calou diante de algum assédio por ser mulher.
“Posso falar sobre isso?”, pergunta ao assessor que a acompanhava na entrevista. “Nunca falei disso antes”, segue. Ela conta que, há muito tempo, em um trabalho, estava usando uma roupa curta e foi assediada por um homem que tinha um grande reconhecimento na profissão que ele exercia.
“Passei num corredor e ele deu um tapinha na minha bunda e falou: ‘Tá boa, hein?’. Amor, eu chorei tanto. Fui pra uma sala e fiquei chorando, porque não tinha o que fazer. Lembro de ter ficado durante noites assim”, diz ela.
A atriz não revelou a identidade do homem e nem quando e onde o episódio ocorreu. “Se fosse hoje, não admitiria uma coisa dessas. Nunca levaria isso pra casa.”
Giovanna conta que está em um momento “libertador” de sua vida. Fala as coisas que pensa, sem ficar “em casa com medo do que vão comentar”. E o estopim disso, explica, foi ter participado de um TED talk sobre maternidade, em setembro. O vídeo, disponível no YouTube, já tem mais de 360 mil visualizações.
“Por que adoção? Como que uma mulher vem ao mundo e não quer gerar um ser do seu ventre? E os filhos de vocês vêm quando? Como é linda sua filha. Ela tem mãe? Como seus filhos são fofos. Eles têm família? Essas são algumas das perguntas que uma mãe que não tem um filho biológico escuta todos os dias”, disse a atriz no começo da conferência.
“Durante muito tempo, fiquei digerindo os questionamentos na minha cabeça, os preconceitos. Ouvi muitas coisas que me feriram e que ainda me ferem”, afirma ela ao comentar a palestra. “Foi libertador poder vomitar tudo aquilo e desabafar sobre tudo o que eu passo todos os dias. É na escola [dos filhos], é na rua.
Dois dias depois da conversa com a coluna, ela embarcou para Manchester, na Inglaterra, onde vai passar alguns dias gravando a versão brasileira de “The Circle”, um “reality show de redes sociais”, como explica. Ela será a apresentadora do programa, que deve estrear na Netflix no primeiro semestre de 2020.
“Isso é super sigiloso”, diz, enquanto olha para os lados e abaixa o tom de voz. No reality, 12 participantes ficam confinados em um prédio —cada um em um apartamento separado— e só podem se comunicar por meio das redes sociais. E a pessoa avança no programa conforme sua popularidade entre o resto do grupo.
“É um retrato do que acontece hoje em dia, né? Tem as pessoas que se expõem [nas redes] e são reais e as que não são. É só pensar nas fake news.”
E tem uma fake news que faz a atriz dar risada: a do “Surubão de Noronha”. Em fevereiro, uma conta no Instagram divulgou informações sobre supostas orgias que aconteceriam na pousada administrada por Bruno e Giovanna em Fernando de Noronha.
“Essa história é uma lou-cu-ra! Porque, gente, não [aconteceu], né! Acredita que tiveram repórteres que vieram me perguntar se o surubão era real? Tem gente que foi jogada nessa história e nunca nem foi pra Noronha. Acho interessante pra gente analisar dentro do contexto de fake news, em que cada um fala o que quer.”
A atriz soma 19,8 milhões de seguidores no Instagram e 2,1 milhões no Facebook. E diz que tem “muita responsabilidade” com o conteúdo de suas publicações.
“Não costumo me posicionar politicamente dando nomes, por exemplo. Mas a minha posição é muito clara: sou artista, tenho dois filhos negros, sendo que uma é mulher, e sempre lutei pelo meio ambiente.”
No fim do ano passado, durante as eleições presidenciais, o ator Thiago Gagliasso, cunhado de Giovanna, postou em seu Instagram uma troca de mensagens com a atriz em que foram expostas discordâncias políticas. Thiago vocalizava o seu apoio ao então candidato Jair Bolsonaro (PSL). Giovanna não diz em quem votou.
“Eu não falo sobre [a briga familiar], porque não falo com ele. Então não tem porque falar de uma coisa que não faz parte da minha vida”, diz.
E continua: “Foi com as eleições que a gente começou a enxergar a ideologia dos outros. E eu, pelo menos, me frustrei muito com muitas pessoas que eu não sabia que tinham certas ideologias. Acho que esse atrito e a quebra de relações veio de pensar que do seu lado pode ter uma pessoa que pense tão diferente de coisas que você acha que são muito importantes”, continua.
Ela diz estar “assustada” com a polarização que tomou o país nos últimos anos. “O que eu quero é um país mais justo, sem preconceito, que dê atenção à educação e à violência, independentemente de partido. A situação do Brasil tá punk, tá triste. Não acredito na violência como meio de transformação. Acredito na educação, no respeito, no amor ao próximo. E o que a gente tem visto é o oposto.”
Mônica Bergamo - Jornalista e colunista.
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