08 DE NOVEMBRO DE 2019
EDUARDO BUENO
De guapuruvus e jacarandás
Dentre todos os seres vivos que coabitam este planeta, prefiro as árvores - talvez por já ter sido uma (como contei aqui faz um tempo). Sim, graças à expansão da consciência propiciada pela dietilamida do ácido lisérgico, certa vez, ao abraçar o tronco dum pinheiro, em plena serra gaúcha, resgatei minha encarnação em forma de araucária. Há 200 milhões de anos neste planeta, a araucária é nativa do sul do Chile e, por meio do vento e dos pássaros - nomeadamente a gralha-azul - expandiu-se pelo continente. Já havia conquistado até a Serra da Mantiqueira quando os europeus chegaram.
Ao contrário dos caingangues - que mantinham relação quase simbiótica com a árvore -, os alienígenas logo deram início ao massacre da serra (primeiro manual, depois elétrica). Cem milhões - isso: 100 milhões! - de pés seriam abatidos e esquartejados. Junto, dar-se-ia o massacre do Contestado, quando 10 mil desvalidos foram mortos num conflito rural que em 1916 lembrou Canudos, em pleno Sul Maravilha.
Mas essa é outra história e não vou falar dela, nem no fim de imbuias, cedros, canelas e perobas, dizimadas junto com as araucárias. Ocorre que, como sempre nesta época do ano, ando (!) pensando nos guapuruvus e jacarandás. Afinal, são eles que, durante a Feira do Livro, transformam o chão da Praça da Alfândega num tapete roxo e amarelo.
Guapuruvu, em tupi significa, mui apropriadamente, "árvore da canoa". A dita "canoa de um pau só" dos velhos cronistas do século 16 era feita de tronco de guapuruvu. Meu exemplar favorito se ergue, imponente, na Rua 24 de Outubro, em Porto Alegre. Tem uns 30 metros de altura e fica à altura do número 1.000. Costumava abraçá-lo quase todos os dias, antes que uma grade o afastasse de mim. Basta olhá-lo para entender como as "canoas de um pau só" podiam transportar mais de cem guerreiros tupinambás.
Jacarandá, também um étimo tupi, significa "cabeça dura" e, como a própria palavra indica, refere-se mais ao soberbo (e quase extinto) jacarandá-da-baía do que ao "nosso", que é o jacarandá-mimoso. Ao contrário do guapuruvu (não recomendado para a arborização urbana), o jacarandá-mimoso foi plantado nos anos 1930 em vários bairros da Capital. Suas lindas e efêmeras flores lilases caem com os ventos e chuvas primaveris. Às vezes, viram uma pasta gosmenta que derruba os mais desavisados. Adoraria que aqueles que, em vez de plantar, cortam ou queimam árvores escorregassem ali.
E, por mim, que quebrem o tronco.
EDUARDO BUENO
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