30 DE NOVEMBRO DE 2019
CARPINEJAR
Inesperada timidez
No amor verdadeiro, todos viram tímidos. Mesmo os mais seguros, os mais confiantes, os mais sociáveis, os mais comunicativos, os mais expansivos. É o que chamo de apagão da personalidade. Você se importa tanto com a opinião do outro que se vê inesperadamente retraído, capaz de agir como uma criança apertando a campainha e saindo correndo.
Com a dúvida da reciprocidade, nega-se o que aconteceu e o que foi realizado, apesar das evidências contrárias. É tipo um "não fui eu" absurdo.
Enfrenta situações patéticas, embaraçosas, desprovidas de sentido para um adulto. É telefonar, esquecer o que iria dizer e desligar na cara e depois não atender a chamada de volta. É falar uma verdade e se arrepender, mentir que é brincadeira e jamais repor o que realmente pensa. É mandar mensagens de madrugada, um pouco bêbado, reconhecer a hora adiantada e imprópria e apagar com receio de se mostrar excessivamente dependente. É abandonar de fininho a cama de manhãzinha para escovar os dentes e voltar fingindo que está dormindo, como se a companhia não tivesse notado a sua saída.
Isso sem contar a precocidade das juras que cria a vergonha e o rubor das bochechas. Você está começando a relação e passa a fazer declarações definitivas que só assustam.
Não há maior medo do que estar amando sozinho ou amando mais rápido do que o andamento dos fatos. Como, do nada, revelar que gostaria de ter filhos e quais os nomes sonhados. E a pessoa fiscalizar o uso dos preservativos de modo obsessivo. Daí você fica sem chão.
Ou fazer montagem de imagens do casal para comemorar 15 dias do primeiro beijo. E a pessoa lhe confundir com um psicopata. Daí você fica sem pai nem mãe.
Ou colocar a foto da parceira na tela de proteção do celular. E a pessoa considerar que está forçando a barra, afinal recém vêm se conhecendo. Daí você fica sem sinal.
Ou oferecer metade do chiclete da boca. E a pessoa recusa, já que é uma situação íntima demais para não sentir nojo. Tudo bem em partilhar o mesmo copo de cerveja, taça de vinho e canudinho, mas goma mascada é exagero. Daí você fica sem moral.
Ou propor morar juntos quando mal assumiram o romance. E a pessoa julgar que você é carente e inconsequente. Daí você fica sem teto.
Ou dar um presente caro demais perto das poucas experiências vividas lado a lado. E a pessoa distorcer que busca comprar a presença. Daí você fica sem crédito.
Amar é não saber ao certo como se comportar, se é cedo demais para se comprometer ou se cabe demonstrar a emoção quente na hora em que ela aparece.
A timidez é sempre esse medo ingrato e aterrorizante de decepcionar.
CARPINEJAR
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