sexta-feira, 22 de novembro de 2019



22 DE NOVEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA

A rua mais fotografada da América

Levei o Potter à rua mais fotografada da América, no fim de semana passado, quando ele veio me visitar. A rua se chama Acorn Street e fica em Beacon Hill, região elegante e histórica de Boston. Trata-se de uma ruela, na verdade. É bem pequeninha, uma quadra só, e estreita como a mente de um militante político. As calçadas têm no máximo um metro de largura e pelo leito de pedras passaria um único carro de cada vez, se carros passassem por lá. Não passam.

Esses paralelepípedos da ruazinha não são retangulares. São pedras arredondadas, às vezes pontudas, que existiam em profusão no solo de Boston quando os pioneiros aqui chegaram. Como eles precisavam remover as pedras para erguer a cidade, aproveitaram-nas como pavimentação. Mas vá caminhar em cima daquilo? É inseguro e escorregadio feito um voto de Dias Toffoli. Então, a cidade aos poucos foi trocando a cobertura das ruas, até que sobrou apenas a da Acorn Street.

Nós estávamos no Quincy Market, o mercado público, e eu insistia em levar o Potter e outro amigo nosso, o Thiago Karsten, que mora em Nova York, para ver a rua famosa. Eles não pareciam interessados.

- É a mais fotografada da América! - eu repetia. - Tá bem! - concordou o Potter, depois que falei isso 14 vezes. - Mas ninguém vai tirar foto lá. Não vamos ser como esses americanos! Vamos ser diferentes!

- Isso! Sem fotos! - concordou o Thiago. - Vamos ser diferentes!

E a Marcinha e o Bernardo fizeram coro: - Sem fotos! Sem fotos! Diferentes! Diferentes!

- Sejamos diferentes! - gritou o Potter, por fim, apontando com o indicador para o firmamento.

Pegamos um Uber grande. Antes que pudéssemos dizer 20 cucamongas, chegamos à Acorn. E, no mesmo momento em que eles desceram do carro, já se espantaram: havia fotógrafos profissionais nos dois extremos da quadra, usando máquinas sobre tripés, e, no meio, um monte de gente tirando fotos com seus celulares. As pessoas fotografavam e riam, fotografavam e riam. Estavam se divertindo. O Potter se empolgou. Sacou do celular dele.

- Fiquem ali, pra eu registrar o momento - pediu, sinalizando com a mão.

- Ué? - brinquei. - E o pacto de não tirar foto?

- Ah, tá todo mundo fotografando?

E todos fotografaram com seus celulares. Menos eu, que não sou de tirar foto e nunca nem sequer tive máquina fotográfica.

Depois de posar 40 vezes para o Potter e a Marcinha, já me sentindo uma Gisele Bündchen, arranquei-os de lá.

- Vamos tomar uma clam chowder - propus.

Saí da ruazinha pensando no fenômeno que havia testemunhado: as pessoas estavam fazendo algo que todas as outras faziam tão somente por um motivo: porque todas as outras faziam. A Acorn Street, de fato, é uma rua bem bonita, mas não seria tão fotografada se não tivesse a fama de ser tão fotografada. É a tendência que o ser humano tem de agir coletivamente. Porque, ao fim e ao cabo, nós somos animais sociais. Foi assim que sobrevivemos às feras e às intempéries. Não temos as garras do tigre nem a força do elefante, mas temos uns aos outros.

Por isso é tão verdadeira aquela máxima já meio surrada: gentileza gera gentileza. Mas grosseria também gera grosseria, e é isso que me preocupa, em relação ao Brasil. Temos de ser todos mais leves, a fim de gerar leveza. Façamos a nossa parte. Porque os outros estão olhando e, por estranho que possa parecer, ninguém quer ser diferente. Todo mundo quer ser igual.

A não ser eu, é claro. Eu não tiro foto.

DAVID COIMBRA

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