sábado, 2 de novembro de 2019



02 DE NOVEMBRO DE 2019
DIA DE FINADOS

COMO FAZER A MORTE CABER NO PEITO

Cada um tem seu jeito de lidar com o luto. Não há certo ou errado. aqui, três mulheres contam como enfrentaram a perda do companheiro de meio século, a do pai e a das filhas pequenas

Os passeios dominicais da família Varela perderam sentido com a morte do patriarca Antônio Avelino, 80 anos, ferido por um tiro no pescoço enquanto lavava o carro na frente de casa, em Cachoeirinha. Desde aquele assalto, em 2016, sempre que a esposa, os filhos e os netos reuniram-se para pegar a estrada, um hábito cultivado há décadas, todos foram subitamente tomados pela tristeza. Compreenderam que seria melhor evitar algumas situações que lhes roubavam o riso.

Antônio era entusiasta dessa programação. Convidava Sueli Teresinha Varela, 70 anos, companheira de meio século - e quem mais estivesse em casa - para comer em restaurantes da Serra, do Litoral ou do bairro vizinho. Não gostava de ver a esposa enfurnada na cozinha depois de uma semana de trabalho. Agora, sem ele, Sueli prefere o sossego de casa. Neste 2 de novembro, irá a Cambará do Sul, na Serra, jogar pétalas de rosas sobre o campo onde as cinzas de Antônio foram deixadas.

- A gente fica triste no Dia de Finados, mas é uma maneira de homenageá-lo. Ele morou muitos anos na cidade e ter suas cinzas lá foi um pedido dele - conta.

O hábito cristão de dedicar um dia para rezar pelos mortos remonta ao século 5, mas foi no século 13 que a data passou a ser chamada de Dia de Finados. Cada parte do mundo celebra a seu modo. E cada pessoa também, diz a psicóloga especialista em luto Erika Pallottino, sócia-fundadora do Instituto Entrelaços, do Rio.

- É um dia que mexe na ferida. Não existe modo certo ou errado de agir. Não tem o menor problema ficar triste ou chorar. O luto nunca termina. Ele é acomodado internamente - observa.

Sueli cercou-se de artifícios para fazer a ausência do marido caber no peito. As fotos antigas, que ela costumava espalhar sobre a mesa da cozinha ou pelo sofá da sala nunca mais saíram dos álbuns empilhados no guarda-roupa. Não consegue folheá-los sem chorar. Manteve exposto sobre uma bancada, perto das fotos dos netos, apenas um retrato de Antônio na Europa. Nos últimos tempos, percebeu que falar sobre aquela segunda-feira, 14 de novembro de 2016, a faz sentir-se melhor. Passou a ver esses bate-papos como um desabafo. Ainda sente falta de Antônio, claro. Ainda chora, mas permite-se olhar para frente. Vendeu o carro que custou a vida do companheiro e está prestes a mudar de endereço. Vai morar em Gravataí, perto da filha e de um dos três netos.

- Trocar de casa faz parte do tratamento. Tenho evoluído bem. Não tenho depressão, apenas tristeza. Nunca precisei de remédio. As idas à psiquiatra estão cada vez menos frequentes. Eu choro muito, mas desabafo também. Não dá para se fechar, ficar sozinha. Tenho que tentar entender o que faz bem e o que faz mal e me ajustar - diz.

u "Não há um tempo padronizado"

Antônio foi baleado uma semana antes das Bodas de Ouro, que seriam comemoradas com missa. A efeméride foi lembrada no hospital (onde ele ficou por oito dias em coma), sem qualquer cerimônia. Da aliança, Sueli fez três pingentes com a letra A, entregues para cada filho.

- No começo, foi desesperador. Eu só chorava. Ele era saudável, estava bem. Eu imaginava que ficaríamos juntos até bem velhinhos - afirma.

A psicóloga e professora da PUCRS Ângela Seger pondera:

- A morte abrupta é mais impactante. Quando a pessoa está doente, os familiares, embora sofram também, conseguem se preparar e até se despedir.

Ângela considera natural a adoção de estratégias que mantenham as pessoas emocionalmente equilibradas. Há quem continue com as rotinas anteriores para homenagear quem morreu. A psicóloga alerta que uma vida cheia de privações pode ser nociva. No luto prolongado, não se consegue retomar as atividades, o trabalho, o lazer. Os sintomas podem ser consumo excessivo de álcool, isolamento, reclusão, perda ou ganho de peso, insônia e sono demasiado por longo período.

- É como se a vida do enlutado também tivesse acabado. Manifestações assim são normais no início, mas, em algum momento, precisam diminuir. Quando não se supera esse estágio, há problema - diz a psicóloga.

Não há um tempo padronizado para acomodar a dor, mas Ângela diz que o primeiro ano tende a ser o mais difícil. É o primeiro Natal, o primeiro Dia das Mães, dos Pais, dos Namorados, o primeiro aniversário de casamento e de morte:

- Para muitos, o primeiro ano é o marco. Entendem, ao final dele, como se tivessem sobrevivido. Outras demoram mais. Dois, três anos. É importante que familiares e amigos estejam atentos e procurem ajuda se perceberem sintomas além do esperado.
Marcelo Kervalt

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