terça-feira, 19 de novembro de 2019



19 DE NOVEMBRO DE 2019
CARPINEJAR

Dinheirinho

O vale-presente já era impessoal. Agora há a mania familiar de entregar um envelope com dinheiro de aniversário. Não poderia ser mais assustador. É a absoluta falta de tato, simbolizada na economia de tempo.

Não se pretender desperdiçar um turno do dia procurando um presente adequado, e logo se repassa um valor para atalhar a incomodação. Assim se poupam a pernada, o shopping, a maratona por lojas, a gasolina, o tíquete de estacionamento.

É um empobrecimento do amigo-secreto, sem papel de presente, sem cerimônia, sem a surpresa ou a decepção com a escolha da lembrança.

Antes somente os avós faziam esse ritual com os netos, de despertar o futuro de uma poupança e forrar o cofrinho com um maço inesperado de cédulas. Atualmente os pais deram para esvaziar o momento de carinho familiar pela praticidade rápida do caixa automático.

Dinheiro de presente perdeu as boas intenções protetivas da velhice e assumiu a monetarização do afeto, a banalização dos parabéns.

O gesto apaga a memória da data, longe de ser inesquecível e parte do santuário particular de oferendas. Não gera intimidade. Não arranca risos. Não provoca lágrimas. É como ter mesada anual de alguém próximo.

Cala-se o assombro com notas de uso comum. Quebra-se o encanto com garoupa e onça impressas.

Até o abraço é constrangedor depois do depósito em mãos. O máximo que rende é um cumprimento, típico de negócio fechado.

O charme e o mistério de completar anos vêm da possibilidade de ser notado e reconhecido e ver o quanto a pessoa nos conhece descobrindo algo que desejávamos ou precisávamos. Mesmo quando erra, significa uma representação emocional de como somos compreendidos pelo outro.

Todo presente é um retrato de nossa alma por um ângulo externo. Percebemos os reflexos sociais que deixamos nos mais próximos. Se recebermos objetos domésticos, somos filtrados como caseiros. Se ganharmos bebidas alcoólicas, temos a fama de boêmios. Se obtivermos roupas, perfume e adereços, somos projetados como vaidosos. O mimo fornece um ibope de nossa aprovação e rejeição, confirmando expectativas a respeito de nós próprios ou permitindo a autocrítica e a correção de distorções com a mudança de hábitos.

Mais vale a coragem e a ousadia do engano do que a formalização da covardia. Mais vale tentar acertar, na observação acurada da amizade, do que nem sair de casa.

Ternura exige esforço e a consequente preservação do costume alvissareiro de testemunhar a satisfação ansiosa do aniversariante em rasgar o pacote.

CARPINEJAR

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