02 DE NOVEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA
"Vou sentir saudade da nossa amizade"
Quem era o melhor? Camus ou Sartre? Houve época em que essa rivalidade empolgou o mundo. Ou, pelo menos, o mundo letrado. Isso é impensável hoje em dia. Imagine: as pessoas tomando partido sobre filosofia, discutindo qual de dois intelectuais estava certo.
Eu preferia Camus. Ele não era tão, digamos, "acadêmico" quanto Sartre, não era tão científico, mas escrevia melhor e tinha ideias mais compatíveis com a realidade humana.
Sartre tornou-se um stalinista convicto e, depois de Kruschev revelar os horrores da União Soviética, em vez de melhorar, piorou: virou maoista. Defendia a violência na tomada de poder, mas, na Segunda Guerra, quem participou ativamente da resistência francesa foi Camus, não ele. Quando era preciso, Sartre falava muito e agia pouco.
A razão do rompimento dos dois foi um livro de Camus que criticava as esquerdas da época, O Homem Revoltado. Sartre dirigia uma revista em Paris e determinou que um de seus articulistas escrevesse um texto sobre o livro. Quando Camus leu, ficou furioso - era uma crítica duríssima. Escreveu um artigo em resposta. E Sartre escreveu outro, como tréplica, que começava assim: "Vou sentir saudade da nossa amizade".
Camus passou mais de sete anos sem escrever nada, depois dessa discussão pública. Diziam que ele havia se deixado abalar pela briga. Quando voltou a publicar algo, veio com uma obra-prima, um livro curtinho, mas muito bom, intitulado A Queda. Sartre nunca conseguiu atingir o nível literário de Camus e reconheceu isso, definindo A Queda como o mais belo livro do ex-amigo.
Nós, na faculdade, líamos Camus e Sartre e discutíamos sobre eles como se estivéssemos nos anos 1950. Para mim, Camus ganhou o clássico.
Outra disputa, claro, era Chico versus Caetano. Chico começou como o certinho, o comportadinho, o namoradinho do Brasil, enquanto Caetano representava a rebeldia dos jovens dos anos 1960 e 1970. Depois, Chico se tornou o contestador político e Caetano o desbundado. Sempre achei a produção do Chico mais regular do que a do Caetano, mas, agora, parece que Chico desistiu da música e Caetano continua vibrante e produtivo. Caetano ganhou o clássico.
Freud e Jung também foram amigos que se tornaram ex-amigos. Freud era austríaco e Jung suíço, mas os dois escreviam em alemão. Heidegger dizia que só é possível filosofar em alemão e grego, devido à flexibilidade das duas línguas, e Freud e Jung usaram muito dessas possibilidades. Eles inventaram uma série de termos que acabaram se popularizando, como "arquétipo", no caso de Jung, e "superego", no de Freud. Foram, portanto, homens importantes, autores de obras importantes. Separaram-se porque Jung não concordava com a teoria sexual de Freud. Para Freud, tudo tem a ver com sexo.
Sexo, sexo, sexo. Para Jung, nem tudo.
Jung se preocupava também com questões transcendentais e até exotéricas, e Freud considerava isso uma distração imperdoável para o seu movimento psicanalítico.
Gosto mais de Freud, porque aprecio a graça de seu texto e a genialidade de suas descobertas acerca das nossas motivações subjacentes, mas reconheço que Jung tem uma compreensão mais abrangente do ser humano. Jung é kantiano: ele vê além da razão, ele entende o homem como uma reunião indissociável de corpo, mente e espírito, ele sabe que há outras camadas de inteligência dentro e fora de nós.
Esse clássico terminou empatado.
E o clássico deste domingo, o Gre-Nal, como terminará? Bem, pense que, se Grêmio e Inter fossem pessoas, o Grêmio seria Freud e o Inter seria Jung; o Grêmio seria Sartre e o Inter seria Camus; o Grêmio seria Caetano e o Inter Chico. Compreendeu? Se você compreendeu, já sabe qual será o resultado do jogo.
DAVID COIMBRA
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