25 DE NOVEMBRO DE 2019
CLÁUDIA LAITANO
Aurora
Neste momento, ela dispõe de pouca ou nenhuma autonomia de operação, e suas funcionalidades básicas ainda dependem de supervisão externa permanente, mas, ao contrário de mim ou de você, ela está programada para durar até o século 22.
Primeira bisneta dos meus pais e primeira neta do meu irmão mais velho, Aurora inaugurou um novo capítulo na linha do tempo da minha família. Com seu nome cheio de promessas de recomeço e reinvenção, ela veio ao mundo no ano daquele futuro de carros voadores e replicantes imaginado por Blade Runner (o filme se passa em novembro de 2019) - e há boas chances de que venha a topar com criações ainda mais espantosas do que aquelas ao longo da vida.
Como um filme de ficção científica, Aurora é hoje quase toda feita de ideias de futuro, mas é pelo passado que sua história vai começar. Ela vai crescer ouvindo falar dos bisos e das bisas e de outras pessoas que ela nunca chegará a conhecer. Eles vão voltar à vida na imaginação dela e talvez seus filhos e netos um dia fiquem sabendo que houve um antepassado seu que veio da Itália, trazendo seu sobrenome na bagagem, e outro que foi para lá durante a grande guerra lutar com os pracinhas.
Um dia, Aurora vai começar a fazer perguntas. Como vocês começaram a namorar? Como era mesmo aquele apartamento em que eu nasci? Mais cedo ou mais tarde, quase todo mundo começa a achar o passado um lugar interessante para se visitar de vez em quando. As memórias que nos são transmitidas nos situam na História. Em troca, oferecemos a quem nos recebe uma extensão simbólica no futuro - a versão humana da ideia de eternidade.
Em 1º de janeiro de 2101, primeiro dia do século 22, Aurora terá 81 anos. Há bons motivos para imaginar que até lá a medicina terá prolongado em algumas décadas a expectativa de vida da nossa espécie. Que façam bom uso dessa prorrogação. Ocupando o planeta sem esquecer do futuro. Ocupando o presente sem esquecer do passado.
CLÁUDIA LAITANO
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