20 DE NOVEMBRO DE 2019
NILSON SOUZA
As árvores falam
Sempre que os ipês e jacarandás repintam as calçadas de Porto Alegre com suas pétalas multicores, como ocorre neste quarto final da primavera, eu me lembro do Carlos Alberto Dayrell, aquele estudante de Agronomia que subiu numa árvore para impedir sua derrubada por operários que preparavam o terreno para a construção do Viaduto Imperatriz Leopoldina, na Cidade Baixa.
Foi um dos fatos marcantes da década de 1970 na Capital, não apenas por desafiar o rigorismo do regime militar, mas também pelo seu significado para o movimento ambientalista em nosso Estado. Pois na semana passada, em um dos eventos da Feira do Livro, tive a oportunidade de recordar o episódio de uma maneira singular - narrado pela própria tipuana que sobreviveu à motosserra.
Foi um dos fatos marcantes da década de 1970 na Capital, não apenas por desafiar o rigorismo do regime militar, mas também pelo seu significado para o movimento ambientalista em nosso Estado. Pois na semana passada, em um dos eventos da Feira do Livro, tive a oportunidade de recordar o episódio de uma maneira singular - narrado pela própria tipuana que sobreviveu à motosserra.
A original narrativa abre o livro Lutz: A história da vida de José Lutzenberger, o grande ambientalista do Brasil, romance histórico editado pela AGE e elaborado por integrantes da oficina de escrita criativa coordenada pelo escritor Alcy Cheuiche. Acompanhei o painel de lançamento do livro e ouvi com atenção a leitura do capítulo de abertura, feita por uma das alunas. Num texto inspirado e emocionante, a árvore conta a sua versão da história, com uma belíssima descrição da geografia porto-alegrense da época e uma avaliação contundente dos tipos humanos que protagonizaram o incidente.
Entre eles - relata a tipuana humanizada pela imaginação do autor do texto -, estava José Lutzenberger, cuja intervenção foi decisiva para a liberação dos estudantes presos em consequência do protesto. Essa nova biografia do célebre ecologista, ainda que romanceada, resulta de pesquisa criteriosa sobre sua trajetória, supervisionada atentamente por suas filhas. A licença poética da árvore falante, portanto, em nada compromete a veracidade dos fatos narrados. Acho até que lhes acrescentam credibilidade.
Nestes tempos sombrios para o meio ambiente em nosso país, seria oportuno que as árvores falassem de verdade, tanto para pedir socorro quanto para denunciar as barbaridades cometidas por humanos gananciosos e inconsequentes. Pelo que tenho acompanhado do debate político-ambiental, o Brasil ainda possui a segunda maior cobertura vegetal do planeta, mas os desmatamentos e as queimadas fartamente noticiados, somados à leniência e ao descaso dos governantes, não deixam dúvida de que as árvores silenciosas e todos nós estamos perdendo a batalha da preservação.
Pensando bem, talvez as árvores continuem se comunicando pela linguagem ancestral da natureza. Nós é que nos tornamos insensíveis para ouvi-las. Até por isso, faz-nos imensa falta um Lutzenberger sábio e multilíngue, como ele realmente era, para interpretá-las e traduzir suas mensagens essenciais à vida.
A tipuana da Avenida João Pessoa, felizmente, encontrou tradutores competentes para recontar sua bela e emblemática história.
NÍLSON SOUZA
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