sábado, 23 de novembro de 2019



23 DE NOVEMBRO DE 2019
FLÁVIO TAVARES

LIÇÃO DE CASA

O direito à vida - e a viver em paz - não é, apenas, combater o bandido de rua e impedir a corrupção. O crime maior vai além e, às vezes, nem percebemos que é mais profundo até.

Agora, aqui no Estado, o direito a viver em paz das futuras gerações depende da Assembleia Legislativa. Só os deputados podem evitar que as alterações ao Código Estadual do Meio Ambiente - propostas pelo governador - degradem nossas terras, ares e águas. Nosso Código atual é modelo até no Exterior. Nasceu do consenso, em nove anos de consultas e debates entre geólogos, biólogos, botânicos, agrônomos e empresários e virou lei em 2000.

O governador Leite quis alterá-lo em "urgência", sem debates no Legislativo. Recuou porque o Tribunal de Justiça atendeu ao pedido de deputados de diferentes partidos e demonstrou que contrariava a Constituição. Propostas em nome da "modernização", as modificações facilitam a degradação e são o oposto do que dizem ser. É o caso do "autolicenciamento", em que a própria empresa declara que o futuro empreendimento não afetará o meio ambiente.

Após a tragédia de Brumadinho, MG, é possível pensar assim?

Lá, dias antes do horror, a Cia. Vale (maior mineradora do país e segunda no mundo) garantia "normalidade total na mina". Se o equívoco (ou a falcatrua) ocorreu com empresa de porte, o que esperar de empreendedores menores, aqui?

Podem errar até na boa-fé.

A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) reúne técnicos de alta qualificação que jamais foram chamados a opinar sobre as mudanças ao Código.

Por que excluí-los? Preservar o meio ambiente é defender a vida na Terra, ameaçada pela falsa visão de "progresso", como vem alertando o papa Francisco.

A mina de carvão a céu aberto, em banhados junto ao Jacuí, a 12 quilômetros de Porto Alegre e que, em 10 anos, pode tornar o Guaíba um rio morto, é o caso concreto de falso progresso.

"Hoje, lucros e perdas são mais valorizados do que vidas e mortes, mas o lucro de uma empresa não pode estar acima do valor infinito da nossa família humana", advertiu o Papa, reunido com ministros de Economia no Vaticano.

Será o Papa um enfadonho que insiste e repete por ser "chato"? Ou é guardião do futuro ao insistir no perigo dos combustíveis fósseis, como o carvão?

Nossos deputados não podem ignorar que as ameaças futuras começam hoje. Se a Assembleia é "a Casa do Povo", por que não ouvir o povo, convocando os especialistas?

O poder político não pode se omitir no perigo. O futuro se constrói com os atos de hoje, nunca do amanhã.

Escrevo do Rio de Janeiro e, assim, não pude perguntar ao governador na reunião-almoço da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresa, ADCE, em que expôs seus planos, dois dias atrás.

Fica a lição de casa a todos.

FLÁVIO TAVARES - Jornalista e escritor

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