sábado, 30 de novembro de 2019



30 DE NOVEMBRO DE 2019
FLÁVIO TAVARES

AS INDÔMITAS

Ser professora é como ser mãe, é inaugurar uma vida no outro, dando à luz algo sublime. Quem ensina vive em quem aprende e, por isso, o magistério foi visto sempre como sacerdócio. Nada supera o aprendizado das primeiras letras.

Recordo sempre o momento em que (aos seis anos) escrevi minha primeira palavra e o mundo se abriu à minha frente. O sorriso da professora Maria Bezerra se renova em cada ideia que escrevo, mesmo que ela tenha morrido há décadas.

Ao longo dos séculos, todas as culturas, filosofias e religiões fizeram do professor um guia da sociedade, acima da política e dos governos. A escola é o pilar da vida civilizada, sem ela não há amanhã. Por isto, é impossível entender o desprezo com que, entre nós, se trata hoje o magistério, relegado a atividade menor ou desprezível, até.

A atual greve dos professores não busca vantagens ou regalias. Nem sequer reivindica salários, apesar da baixa remuneração. A greve procura, apenas, que não se altere o atual "plano de carreira", como pretende o governador. Por que fazer da carreira de professor um simples biscate?

Para o professor, greve equivale a um sacrifício, pois a grande gratificação é formar cidadãos. Ninguém opta pelo magistério para ganhar dinheiro. O enriquecimento está em abrir portas para o mundo.

Até poucos anos atrás, o Rio Grande do Sul foi exemplo de escola pública ampla e profunda, que partia da valorização do professor, hoje abandonada e inexistente. Numa cópia da nebulosa instalada em Brasília, fala-se até em abandonar a escola e substituí-la pela alfabetização ou educação no próprio lar. Esquecem-se de que educar é, antes de tudo, preparar a criança para a vida em sociedade, conhecendo e agindo com os demais.

Por tudo isto, chamo as professoras em greve de indômitas, pois não se deixam subjugar.

Escrevo agora de Búzios, no litoral do Estado do Rio de Janeiro, junto ao mar, à espera de que as manchas de óleo cheguem à praia. Guardadas as proporções e as tragédias diferentes, sinto-me como os prisioneiros dos nazistas em Auschwitz, à espera diária de conhecerem o horror das câmaras de gás. O extermínio é outro, mas é aterrador. Após manchar o mar do norte e nordeste do país, o petróleo chegou ao Espírito Santo e já adentrou 70 quilômetros no Estado do Rio. Em Búzios, entrará pela Praia da Tartaruga, matando a fauna marinha que lhe dá o nome e que resistiu, até mesmo, à depredação do turismo.

Mais do que as águas degradadas, preocupa a desatenção e inércia governamental. Logo após aparecerem as primeiras manchas, levaram 41 dias para acionar o "plano de contingência" para casos semelhantes. Em seguida, o recolhimento do óleo transformado em piche foi caótico e afetou a saúde dos voluntários, que (ao aceitarem o desafio) foram também indômitos, sem medo de se expor.



FLÁVIO TAVARES

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