01 DE NOVEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA
Para um amigo que se foi
Sinto falta do meu amigo Juninho. Ele morreu em maio, de um câncer que o fez sofrer miseravelmente por pelo menos três anos.
Tenho muitos amigos, bons amigos. Se há algo de que posso me orgulhar é isso: a quantidade e a qualidade dos meus amigos. O Juninho foi um deles. Professor Juninho, eu o chamava.
Já tive outras perdas, mas houve algo na morte do Juninho que me tocou e que ainda me faz pensar. Nem foi a precocidade, que foi precoce, ele tinha apenas 52 anos. Não foi isso. O que me incomodou é que o Juninho era um apaixonado pela vida.
Alguém pode achar que essa não é uma característica especial, porque amar a vida devia ser regra. Só que, no caso do Juninho, era diferente. Ele fez uma opção por usufruir da existência. Trabalhava bastante, certo, mas porque gostava. De resto, sua principal ocupação era viver bem. Ele inclusive decidiu não ter filhos para poder sorver o tipo de vida que queria.
Não que fosse uma pessoa fútil, preocupada apenas com os prazeres efêmeros da carne. Não, não, o Juninho se devotava às suas relações e era a partir delas que procurava construir os momentos de alegria.
Gostava de sair com os amigos. Se pudesse, saía todas as noites. E a noite avançava pela madrugada adentro e ia longe, longe... Eu não aguentava tanta animação. Voltava para casa mais cedo. No dia seguinte, o Juninho me contava que às cinco da madrugada havia traçado uma costela no Garcia?s. Eu o censurava:
- Todo exagero faz mal!
Ele dava de ombros. Na noite seguinte, nem dormir, dormia. Chegava em casa já de manhã, tomava um banho, enfiava-se na gravata e saía para o trabalho. Eu repetia a repreensão:
- Todo exagero faz mal!
Adiantava? Nada! Nós íamos à praia e, já no primeiro dia, o Juninho se atirava debaixo do sol e jogava bola e bebia cerveja e tomava banho de mar. No segundo, branquicela que era, acordava-se todo dolorido, a pele da cor de um sashimi de atum.
- Para que tanto exagero? - eu perguntava.
Ele nem aí.
Eis o que achei injustiça. Alguém que se dedica de tal maneira ao exercício de bem viver não pode morrer cedo, de uma doença má. Sei que a gente não deve esperar justiça do mundo, mas uma história tem de ter certa coerência.
Isso estava me atormentando, até que, ontem, ao acessar o arquivo de imagens do meu celular, uma foto antiga saltou à tela por acaso, sem que a estivesse procurando. Até já tinha me esquecido dela, para falar a verdade. Lá estávamos nós, diversos amigos na Praia Brava, todos rindo para a câmera, tendo nas mãos algo inusitado: charutos. Esse detalhe me fez lembrar daquele dia: foi quando anunciei aos parceiros que a Marcinha estava grávida. Pois o Juninho, ao saber disso, arranjou charutos de algum lugar, abriu uma garrafa de uísque com idade para debutar e anunciou que assaria um churrasco especial. Não sou muito de charutos e uísque, mas os experimentei com gosto, em comemoração ao meu filho que estava a caminho, e também à amizade, e também à vida.
Admirando a foto, disse baixinho, para mim mesmo, uma frase: "Aproveitou a vida, esse Juninho!". Ao verbalizar essa ideia, minha mente se iluminou: entendi que o Juninho fruiu ao máximo o tempo que teve debaixo do sol, e essa é a coerência que eu buscava. A história, então, ganhou um final feliz, como eu queria.
Que sorte que ele não seguiu os meus conselhos. Que sorte que ele dava de ombros quando o censurava. O Juninho, afinal, fez certo. Ele não viveu exageradamente. Ele viveu completamente.
DAVID COIMBRA
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