23 de fevereiro de 2017 | N° 18776
NÍLSON SOUZA
Obra inacabada
Uma vez fui até a Ilha do Presídio para fazer uma reportagem com o advogado Índio Vargas, que passou uma temporada naquele local quando foi preso por lutar contra a ditadura. Ele conta isso com detalhes no seu livro Guerra É Guerra – Dizia o Torturador. Perguntei-lhe o que se passa na cabeça de um prisioneiro durante o seu período de privação de liberdade.
– Só uma coisa, o tempo todo – me respondeu. E completou: – Fugir!
Era bem difícil sair de lá, mas um tal Pitinelli conseguiu a proeza, utilizando duas panelas para boiar até as margens do Guaíba. O plano de fuga do Presídio Central, abortado ontem pela Polícia Civil, era bem mais elaborado. Os policiais encontraram uma verdadeira obra de engenharia em andamento, com operários trabalhando, equipamentos sofisticados, iluminação, sistema de ventilação, escoras, tudo planejado para a maior evasão de detentos da história do Estado. Boa parte da população carcerária poderia ter escapado.
Dessa nós é que escapamos. Palmas para a polícia.
Como não poderia deixar de ser, tão logo o episódio foi noticiado, começaram a surgir brincadeiras e memes. Uma das mais divertidas que recolhi ontem numa roda de amigos foi esta:
– Mais uma obra inacabada em Porto Alegre!
Latinices
Na célebre carta do então vice-presidente decorativo Michel Temer à então presidente periclitante Dilma Rousseff, o homem das mesóclises soltou o latim: “Verba volant, scripta manent” (As palavras voam, os escritos permanecem). A partir daquele momento, as palavras realmente voaram para todos os lados – duras, acusatórias, ofensivas às vezes, num português que envergonharia a língua-mãe dos romanos, se pudesse ser traduzido: coxinhus, petralhum et caterva...
No final do debate, porém, o inglês se sobrepôs ao latim: impeachment. E cada lado continuou traduzindo a palavra de acordo com sua ótica ideológica. Mas aquilo que foi escrito pelos constituintes de 1988 acabou prevalecendo e permanecendo: saiu a presidente, assumiu o vice. Com as promessas de sempre e a garantia de que a Operação Lava-Jato, por ter-se tornado uma referência para o país, não sofreria qualquer interferência e teria proteção contra todas as tentativas de enfraquecê-la.
Pois agora que integrantes do próprio governo e seus aliados fazem de tudo para boicotar a investigação, seria bom que o presidente prestasse atenção no latinório utilizado por seu amigo Carlos Velloso na nota em que recusou o Ministério da Justiça: “Pacta sunt servanda” (O contrato é a lei entre os contratantes).
Ou, no jargão do fio de bigode que os políticos modernos mandaram para as calendas gregas, promessa é dívida. Era, uma vez.
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