terça-feira, 28 de fevereiro de 2017



28 de fevereiro de 2017 | N° 18780
CAPA

#OscarsTãoConfuso

EM MICO HISTÓRICO, anúncio do nome errado do ganhador de melhor filme encerrou a noite de premiação, marcada por declarações contra o presidente Trump

Não houve surpresas no Oscar 2017: os favoritos La La Land: Cantando Estações e Moonlight: Sob a Luz do Luar levaram os principais prêmios, as piadas e os discursos denunciaram as atitudes e declarações do caricato presidente norte-americano Donald Trump, as mulheres estavam glamourosas em seus vestidos decotados, a cerimônia foi longa e aborrecida. Tudo dentro do roteiro não fosse a confusão armada no final com Warren Beatty e Faye Dunaway na hora de revelarem o melhor filme: o nome anunciado por eles foi La La Land, mas na verdade o ganhador era Moonlight os veteranos atores receberam um envelope errado. 

A equipe do musical já tinha subido ao palco quando o erro foi constatado, provocando uma situação constrangedora e jamais vista antes na história do principal prêmio do cinema mundial. Mais tarde, a PricewaterhouseCoopers (PwC), responsável pela auditoria da contagem de votos do Oscar desde 1935, assumiu a responsabilidade pela gafe. Como dois funcionários da empresa ficam sempre postados nos cantos do cenário, cada um com uma maleta contendo todos os envelopes com os vencedores e que são entregues por eles aos apresentadores, supõe-se que um deles tenha passado por engano para Beatty uma das duas cartelas do prêmio de melhor atriz, em que estava escrito o nome de Emma Stone e do filme pelo qual concorria, La La Land a outra ficou com a própria estrela.

Em uma seleção de filmes muito bons mas não exatamente arrebatadores, cumpriu-se apenas o protocolo de ecoar as escolhas de premiações anteriores e listas de melhores da temporada. A única dúvida do Oscar era saber como os votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas iriam contemplar os dois grandes finalistas dessa 89ª edição – a cativante homenagem aos musicais e, por extensão, à fábrica de sonhos hollywoodiana representada por La La Land e a comovente história sobre aceitação sexual e denúncia racial e social do drama Moonlight. Salomonicamente, as estatuetas foram divididas: La La Land levou seis prêmios (disputava 14), incluindo direção, atriz, fotografia, trilha sonora e canção original, enquanto Moonlight ganhou melhor filme, ator coadjuvante e roteiro adaptado – concorria em oito categorias.

Estreando no comando da festa, o comediante e apresentador de televisão Jimmy Kimmel entrou em cena depois da abertura em que o cantor e ator Justin Timberlake interpretou a música do desenho Trolls no meio do público, remetendo a La La Land. O mestre de cerimônias fez a primeira referência política da noite ao dizer que o programa estava sendo transmitido para mais de 240 países “que agora nos odeiam”. 

O tom crítico, aliás, perpassou toda a transmissão – tanto em depoimentos explicitamente contra Trump quanto em momentos mais sutis, como no simpático clipe ecumênico em que pessoas de diversas nacionalidades, incluindo os atores brasileiros Lázaro Ramos e Seu Jorge, falaram sobre paixão pelo cinema e citaram seu filme norte-americano favorito.

Em vez de endossarem o Globo de Ouro e o César e escolherem como melhor atriz pelo filme Elle a francesa Isabelle Huppert, uma das maiores intérpretes do cinema atual, os eleitores do Oscar preferiram contemplar o trabalho competente mas nada excepcional da graciosa Emma Stone em La La Land. Ainda que meritória, a estatueta de Casey Affleck – ator também destacado pelo Globo de Ouro com Manchester à Beira-Mar – talvez ficasse em melhores mãos com Denzel Washington, cuja performance em Um Limite Entre Nós, drama que também dirige, é um legítimo tour-de-force.

Apesar do páreo duro, Mahershala Ali, de Moonlight, e Viola Davis, de Um Limite Entre Nós, confirmaram as apostas em seus nomes e venceram como ator e atriz coadjuvantes, respectivamente. Um reconhecimento ao talento dos artistas negros, que tinham ficado de fora dos finalistas em 2016, motivando nas redes sociais o protesto #OscarsSoWhite. 

Por falar em visibilidade na festa, quatro dos cinco concorrentes de documentário em longa-metragem eram afrodescendentes, sendo que a temática de três desses filmes era ligada à segregação racial. A vitória do épico de quase oito horas de duração O. J.: Made in America prestigiou o monumental trabalho de reportagem do filme sobre o ex-atleta e ex-ator O. J. Simpson.

Vencedor do Globo de Ouro de filme estrangeiro, Toni Erdmann perdeu o Oscar da categoria para o iraniano O Apartamento. O cineasta Asghar Farhadi – que já havia levado a estatueta dourada em 2012 por A Separação – não foi à festa, mas mandou um discurso de agradecimento em que deplorou a decisão do governo norte-americano de impedir a entrada no país de cidadãos de vários países de maioria muçulmana, afirmando que esse tipo de atitude é o que provoca a divisão entre os povos e as guerras. 

Já a vitória do longa de animação Zootopia – Essa Cidade É o Bicho, logo depois que o ator mexicano Gael García Bernal declarouse contra qualquer muro que separe as pessoas, foi outro recado a favor da tolerância e contra o reacionarismo: no filme da Disney, predadores e presas vivem juntos e em harmonia.

roger.lerina@zerohora.com.br

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