quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017



22 de fevereiro de 2017 | N° 18775 
DIANA CORSO

Toda família quer ser uma ilha

Dizem que o casamento é a vitória da persistência sobre a experiência. Pode ser, mas certamente essa é uma frase que define a família. Esta sim depende da vitória da fantasia sobre a realidade, pois na prática a experiência é sempre mais árdua do que se esperava. Acredito que temos filhos na esperança de viver em nossa própria ilha, de ter nossa própria família Robinson. É provável que você já tenha ouvido falar nos Robinson Suíços: uma paródia familiar da história de Robinson Crusoé, escrita em 1812, uma das minhas histórias favoritas.

O filme Capitão Fantástico (direção Matt Ross, 2016) é uma versão contemporânea dessa recorrente fantasia da família autossuficiente, solidária e isolada do mundo. Agora temos a de um casal que se isola por opção com os seis filhos em uma casa na floresta. O desafio não é a sobrevivência ao naufrágio, mas sim a dedicação a uma criação de filhos idealista, rente a seus princípios de ilustração, austeridade, liberdade e sustentabilidade. A supressão do convívio com o mundo externo faz parte da experiência dessa família. Embora se mantenham informados, estudando e polemizando em casa, ele é considerado indesejável, insensato e moralmente condenável.

Na ocasião do filme, Ben, o pai, está sem sua parceira, afastada deles por um problema de saúde. Ele é autoritário e metido a sabichão, mas os filhos o confrontam: nessa família, bons argumentos valem ouro e podem derrotar até os do patriarca. Ele é o Capitão Fantástico, um pai amado cujos ideais e poderes serão testados e questionados ao longo da trama, na qual são obrigados a sair de seu refúgio natural.

Filhos educados em casa, privados de conviver na escola com qualquer tipo de diferença ou discordância estão numa ilha. Os condomínios, clubes e shopping centers fechados sem janelas para temível exterior são ilhas. Ben é cativante, um romântico cheio de boas intenções, mas também confinou seus filhos em uma ilha.

Uma família não é um núcleo isolado, é um ambiente poroso, em constante diálogo com o mundo. Os filhos escutam o que dizem os pais, mas principalmente observam o que eles fazem, seu jeito de transitar fora da ilha do lar, por continentes, oceanos e paisagens variadas. A floresta pode ser perigosa, mas a natureza humana sabe ser mais imprevisível e complexa.

Erguer muralhas contra “os outros”, considerados ameaçadores, impede os filhos de crescer e ser alguém. Queiramos ou não, crescer é partir, o que significa romper, esvaziar o ninho. Ilhar os filhos não é amor, é sequestro.

A colunista Martha Medeiros está em férias.

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