11 de fevereiro de 2017 | N° 18766
ANTONIO PRATA
SKETCHBOOK
O telefone tá sem sinal. Não existe Trump. Velocidade das Mar-ginais. Não existe textão. O Brasil, talvez, não exista. Não existe Trump. Velocidade das Marginais. Não existe textão. O Brasil, talvez, não exista. Tadao está em dúvida entre o Concerto para Piano Nº 2, de Rachmaninoff ou Too Drunk to Fuck, dos Dead Kennedys.
Tadao Nakashiro envia centenas de mensagens de Facebook, Twitter, WhatsApp e demais aplicativos para tablets e telefones móveis nas proximidades, cujos números consegue com suas habilidades de hacker; cada alerta de mensagem tem uma nota, um tom, um timbre; espaçando milimetricamente as mensagens ele faz com que o conjunto de dispositivos toque uma música.
Na última sexta, onze e treze da manhã, no Starbucks da estação Shibuya, em Tóquio, Nakashiro fez 14 iPhones, nove iPads e 17 Samsungs de todos os frequentadores tocarem Simply the Best, da Tina Turner. Num gran finale, junto à última nota, explodiu um Galaxy Note 7.
Foi o primeiro teste para o grande projeto de Nakashiro: hackear todos os dispositivos móveis sobre a terra e, num dia (ou noite, dependendo de onde você estiver), uni-los numa única só melodia. Ainda está em dúvida entre o Concerto para piano Nº 2, de Rachmaninoff ou Too Drunk to Fuck, dos Dead Kennedys.
Marcelo Porfírio, morador de São Paulo, natural de Iguaí, escondido numa cocheira em sua cidade natal, suando às bicas, abre a terceira garrafa de vinho. Passou um ano prometendo ao Bruno e à Rafaela que se fossem nas férias conhecer a cidade do pai, montariam numa zebra de verdade, no minizoológico do Seu Robson. Acontece que a zebra do Seu Robson morreu em 2009, as crianças tão assistindo à Peppa Pig no carro faz 20 minutos, a Tamires já ligou sete vezes, o Marcelo disse que o Seu Robson tava selando a zebra. Se a Tamires descobre a gambiarra, ela briga, ela detesta as gambiarras do Marcelo, mas dessa ninguém vai desconfiar, vai ficar perfeito quando ele acabar de fazer na mula do Seu Robson as listras de rolha queimada.
A loira é a terceira pessoa da roda que conta uma história distribuindo olhares pra todos, menos pra Luiza. É como se a Luiza fosse um cabideiro. Ou será paranoia? Não devia ter fumado maconha. Ela sabe que fica assim. Sente as gotas brotarem no bigode. Decide ir dar uma volta. “E você conhece?”, pergunta a loira, encarando a Luiza e trazendo consigo 12 olhos curiosos. Luiza diz que conhece? Que não conhece? Só de vista? Ou que tava viajando e não faz a menor ideia do que foi perguntado?
Martim chora no berço, enfia o dedo no ouvido e puxa. Chora, enfia o dedo no ouvido e puxa. Chora. A mãe, descabelada, acha que é otite. O pai, descabelado, tenta empurrar uma chupeta. Discutem. Devem dar mais uma mamadeira? Três ml de Tylenol? Ligar pro Dr. Leonardo? A essa hora? Martim chora cada vez mais alto e pensa por que será que ele não consegue, como será que o homem fazia, será que algum dia vai tirar uma moeda de chocolate de dentro do ouvido?
Ana está deitada na canga, de olhos fechados. Sol no rosto. Nos braços. No dorso. Nas pernas. A brisa muda de direção, alternando o cheiro do mar e de citronela. O telefone tá sem sinal. Não existe Trump. Velocidade das Marginais. Não existe textão. O Brasil, talvez, não exista. Lá longe, depois do barulho das ondas, ouve um bem-te-vi e por trás de tudo o tec-toc de uma dupla de frescobol. Tec. Toc. Tec. Toc. Pra lá e pra cá. Tec. Toc.
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