04 de fevereiro de 2017 | N° 18760
ANTONIO PRATA
A VIVÊNCIA LÚDICA DO EDUCAR
Deviam estabelecer como prova final num desses cursos que prometem estimular a criatividade: duas horas diante de um portão de embarque com uma menina de três anos e um menino de um e meio, sem choro – nem das crianças, nem dos adultos. “Tem que andar pisando só no preto. O branco é água!”. “Agora só no branco, o preto é fogo!”. “Vamos fazer chapéu de guardanapo?”. “A mala de rodinha é um trator. Quem quer andar de trator?”. “Não, Olivia, você já comeu catorze pães de queijo”. “Não, Dani, você já assistiu a quarenta e nove episódios de Masha e o Urso”.
Foi com o alívio de um maratonista avistando a linha de chegada, portanto, que no final da primeira hora (sensação térmica de seis) vi numa loja de revistas um balde cheio de ímãs. “Hematita”, segundo o vendedor, era o nome das pedrinhas cor de grafite, algo irreais em seu brilho mercúrio-Terminator sob as lâmpadas dicroicas. Peguei uma, as outras grudaram embaixo formando um cordão, uma corrente prateada que – assim acreditei – seria capaz de resgatar meus filhos das profundezas do tédio. Comprei um punhado.
Cheguei com os ímãs no bolso, pensando em como daria o presente. Estava feliz não só com a possibilidade de entreter as crianças com uma atividade sem açúcar, sem gordura e sem pixels, mas sobretudo por poder apresentá-los a esse interessantíssimo capítulo da vida na terra: o magnetismo.
“Daniel e Olivia”, eu disse, com a pompa que o momento merecia, “lá no banheiro, eu encontrei um mágico e o mágico me deu”. “Cadê o mágico?!”, a Olivia me interrompeu. “Ádico! Ádico!”, ecoou o Dani, discípulo da irmã mais velha – não muito seguro, acho eu, do que estava falando. “O mágico... O mágico deu um presente pra vocês!”. “Eu não quero presente, eu quero ver o mágico!”, ela me atropelou, de novo, o lábio inferior já dobrando-se perigosamente sobre si. (O lábio inferior dobrado está para o pranto como a nuvem negra está para a chuva – e quando a minha filha resolve trovoar, amigos, o furacão Katrina parece aqueles esguichinhos de vapor do Ibirapuera.)
Não havia tempo para preâmbulos. Tirei as pedras do bolso. Se a simples visão das bolotas metálicas não fosse suficiente para seduzi-los, vê-las saltando da minha mão e grudando umas nas outras seria. “As pedras voam! Olha, são pedras mágicas!”. “Eu não quero pedra! Eu quero o mágico! Papai! Vamos atrás do mágico! Cadê o mágico?!”. “Olivia, o mágico... O mágico foi embora”.
Olivia se atirou no chão. Rolava de um lado pro outro: “Máááágico! Máááágico!”. Daniel, por educação, a acompanhava no pranto: “Áááádico! Áááádico!”. As paredes tremiam. O teto sacudia. Pousos e decolagens foram temporariamente suspensos. Minha mulher me encarava com um olhar que ainda não sei se era de ódio ou compaixão.
Vinte e sete pães de queijo e duzentos e trinta e nove episódios de Masha e o Urso depois, embarcamos pra São Paulo. No Uber, a caminho de casa, os dois finalmente dormem. Minha mulher encosta no meu ombro e dorme, também. Sigo o mesmo rumo. Fica acordado só o motorista – e as hematitas, que, no meu bolso, usam seus maravilhosos superpoderes para destruir meu celular e apagar os meus cartões de crédito, do seguro-saúde, do trabalho, do supermercado, da livraria, do clube e da academia. Que coisa mais lúdica, mais mágica é a vivência do educar.
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