09 de fevereiro de 2017 | N° 18764
HISTÓRIAS DE VERANEIO | NÍLSON SOUZA
O som do mar
Quando vejo motoristas e veranistas se queixando de engarrafamento na freeway, penso nas primeiras viagens que fiz a Tramandaí, na pré-história da minha infância, lá pelos anos 1950. Era raro encontrar outro carro na estrada, mas levávamos um dia inteiro para completar o percurso pela ERS-030, hoje Estrada Velha. Saíamos de Porto Alegre antes de o dia clarear e só chegávamos ao litoral no fim da tarde.
O veículo da excursão familiar era uma caminhoneta Ford-38, furgão que meu pai utilizava para distribuir leite a domicílio. Naqueles tempos pretéritos, o leite era engarrafado. Engradados de ferro ou latão, com 10 litros, eram retirados pelos distribuidores no antigo Deal (Departamento Estadual de Abastecimento de Leite) e entregues de casa em casa, de apartamento em apartamento. Eu mesmo, numa época em que o trabalho infantil era obrigação e honra no ambiente familiar, ajudei algumas vezes na atividade que nos sustentava.
Pois a velha Ford, impulsionada a manivela e com um radiador insaciavelmente sedento, arrastava-se a uns 40 quilômetros por hora pela esburacada faixa asfáltica. Era uma estrada precária, parte ainda de terra, e tão estreita que, em certos trechos, o carro tinha de parar no acostamento para outro passar.
Curiosamente, havia controle de velocidade: ao longo do caminho, tinha-se de parar nos chamados “destacamentos”, guaritas localizadas em pontos de referência onde o policial rodoviário preenchia um papel com o horário da passagem, para ser entregue e conferido no posto seguinte. Chegar antes do previsto dava multa, pois significava, na era pré-radar, que o sujeito correra demais. Contam meus parentes mais antigos que, certa vez, um velhinho chegou esbaforido no posto de Santo Antônio, com sua fubica (automóvel velho) fervendo, e foi logo reclamando para o fiscal:
– Bota um horário maior. Quase não consegui chegar a tempo.
Acampávamos na beira da praia, nas proximidades do antiguíssimo Hotel Siri, e dormíamos no próprio carro, em beliches improvisados com tábuas, que às vezes desabavam no meio da noite. Uma de nossas diversões de meninos era recolher conchinhas na areia. Tinha bastante. A história de Tramandaí conta que o lugar já foi chamado de Paragem das Conchas. Foi de lá que trouxemos uma dessas maiores, que se cola ao ouvido para captar o som do mar.
A explicação científica é desprovida de graça. O que se ouve, na verdade, é o som ambiente que a concha capta e potencializa. Dá para fazer o mesmo com uma xícara vazia posicionada sobre a orelha.
Mas a concha – asseguro-lhes – tem a propriedade de emitir o ruí- do das ondas de um modo muito especial, acrescentando à sensação auditiva as mais doces recordações da infância, potencializadas pela magia do mar.
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