sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017



03 de fevereiro de 2017 | N° 18759 NÍLSON SOUZA
O BICO DA ÁGUIA

Tem um Prometeu no shopping.

É branco, barbudo e está sentado sobre uma pedra, com algemas e tornozeleiras visíveis nos braços e nas pernas. Mas as presilhas não parecem limitar-lhe os movimentos. Na verdade, não se movimenta: é uma estátua. É a estátua de um deus grego, ainda que esteja apartado da turma que ocupa a arquibancada do Olimpo, um pouco mais adiante. O único incômodo é a águia, impelida por Zeus a bicar-lhe o fígado por 30 mil anos no rastro da operação que apurou o furto do fogo do céu.

A história de Prometeu é das mais intrigantes e simbólicas da mitologia grega. Auxiliado por Minerva, a deusa da sabedoria, ele subiu ao Olimpo e roubou o fogo do carro do sol, para servir aos homens. Zeus, furioso e vingativo, preparou-lhe uma cilada. Mandou Pandora, mulher de extraordinária beleza, entregar-lhe uma caixinha de presente. Prometeu, esperto como só ele, não caiu nessa. Não quis nem ver a enviada especial do soberano dos deuses. 

Mas seu irmão Epimeteu espichou o olho para a bela mulher, casou-se com ela e, na noite de núpcias, abriu a caixa que continha todos os males do mundo para atormentar a humanidade. Pagamos caro – e ainda estamos pagando – pelo domínio do fogo, que iluminou casas e cidades, alimentou fábricas e alterou a face do planeta.

Mas Zeus não ficou satisfeito com a desgraça coletiva, pois o ladrãozinho da chama sagrada não fora punido diretamente. Como a astúcia não funcionou, apelou para a força: acorrentou o atrevido numa pedra, condenando-o a 30 milênios de imobilidade e à pena adicional da águia comedora de fígado. Só esqueceu de raspar-lhe a cabeça.

Porém, mais tarde, segundo a lenda, Prometeu foi anistiado. Zeus permitiu que o forçudo Héracles o libertasse e ambos se transformaram em heróis cultuados por gregos, romanos e academias de musculação.

Brinco com essa história fabulosa, mas ela também nos faz refletir sobre os nossos vilões e seus julgamentos. Considerando-se que a maioria roubou para se beneficiar, lixando-se para a humanidade, aquela águia do shopping talvez pudesse ficar por aqui quando a exposição sobre os legados gregos for encerrada, no próximo domingo.



Nenhum comentário: