sábado, 11 de fevereiro de 2017


11 de fevereiro de 2017 | N° 18766 
PIANGERS

Ciência e religião antes de dormir


Estamos juntos conversando, de noite. As luzes estão todas apagadas. É hora de inventar histórias. Conto sempre a história de uma menina chamada Auronita que encontra um peixe mágico chamado Altair. Auronita sempre pode pedir o que quiser. As meninas, às vezes, querem que ela peça o poder de voar. Às vezes querem que Auronita mergulhe no oceano junto com o Altair. Já fomos até uma floresta uma vez, onde Auronita lutou contra um leão que tinha corpo de urso.

Nessa noite, Auronita queria ter um filho. Anita interrompeu. “Pai, não consigo entender. Por que ter filhos se eles vão morrer?”. Minha filha fala sobre a morte com naturalidade assustadora. Isso me deixa angustiado, filha. “Pra mim, morrer é só uma coisa que acontece. É como simplesmente dormir, parar de pensar e de ter preocupações”. Tu não acredita em vida depois da morte? “Não. No meu colégio tem aula de religião. Logo depois tem aula de ciências. E não é uma aula ruim, é uma aula ÓTIMA de ciências, que mostra com detalhes a criação do mundo”. Maldita ciência, possibilitando viagens espaciais e ao mesmo tempo impossibilitando nossa vida eterna.

“E você, Aurora? O que acha?”, pergunto para a mais nova. “Eu acredito naquele homem velhinho. Como é mesmo o nome dele, pai?” Deus. “É. Ele que fez os meus bracinhos, e os meus olhos e o meu cabelo. Mas eu não sei como ele fez esse risquinho aqui embaixo da minha língua. E não sei como ele fez meu dente”. Deus, como você fez nossos dentes?

A pequena acredita no sobrenatural. No supermercado, fechou os olhos, se concentrando. Eu perguntei o que ela estava fazendo, e ela respondeu: “Falando com a mamãe, só com a cabeça”. A mais velha só acredita no palpável. No avião, chorava com os ouvidos doendo por causa da descida, e eu disse pra ela tomar suco que passaria a dor. Ela respondia: “Não vai passar! Não vai passar!”. Até que a olhei nos olhos e expliquei fisicamente: “O suco entra pela tua garganta e dilata as vias do ouvido, de forma que essa pressão que faz o teu ouvido doer não vai mais incomodar”. Ela me olhou séria. Não era mágica, era ciência. Não era o papai dizendo que um beijinho cura machucados. Era uma explicação lógica. Deve funcionar. Ela tomou o suco. E a pressão no ouvido passou.

Uma cientista, a outra sonhadora. Espero estar certo quando digo que uma não existe sem a outra. É preciso algum deslumbre pra acreditar naquilo que não se pode ver. É preciso estudo científico para viabilizar uma viagem de avião. Quanto mais você lê livros, mais acredita no poder transformador do conhecimento. Quanto mais convive com seus filhos, mais agradece por esse pequeno milagre. Obrigado, Deus. Ou qualquer que seja o seu nome.

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