terça-feira, 21 de fevereiro de 2017



21 de fevereiro de 2017 | N° 18774 
MÁRIO CORSO

O que não vamos deixar para os netos

Todos sabemos que as finanças da prefeitura de Porto Alegre não andam bem. O Fortunati discorda, diz que se exagera para aprovar medidas amargas e se desonerar de futuras cobranças. De qualquer forma, a caixa não está folgada. Sugiro então ao atual prefeito uma medida dura que faria um desafogo.

Caríssimo Marchezan e cidadãos de Porto Alegre, temos uma fortuna não usada em nossas mãos. O Parque da Redenção é uma área pública falsamente aproveitada. Beneficia uns poucos de seus vizinhos, mas não a maior parte da cidade. Aliás, atrapalha a todos, o trânsito seria outro sem aquele obstáculo que estrangula o fluxo viário e faz um nó no acesso ao Centro. São 370 mil metros quadrados praticamente ociosos.

Uma parceria com a iniciativa privada faria maravilhas com esse terreno. E, dependendo da altura das torres, nem seria preciso derrubar tantas árvores, que, aliás, a maioria nem nativa é. Calma, não se perderia nada, o Araújo Vianna poderia ser uma sala, de igual tamanho, dentro de um shopping. As feiras que funcionam na José Bonifácio poderiam seguir nos estacionamentos do shopping e não teríamos o clássico problema da chuva, funcionariam sempre. Além disso, teríamos a economia com a manutenção e acabaria o grave problema de segurança noturno que ele acarreta. Seria finda a eterna discussão sobre cercar ou não. Enfim, ganhamos todos.

Para englobar o auditório, o Shopping Redenção (acho que o nome deve ser mantido) ficaria na face leste. Inclusive sugiro até onde seria a entrada, aproveitando aqueles arcos que não levam a lugar algum.

Se você leu até aqui sem se horrorizar dos disparates acima, ou mesmo considerou algo de viável nesse delírio de destruição urbana, é porque vivemos em um tempo em que se pode dizer qualquer absurdo, basta escolher as palavras certas. Quando tudo pode ser vendido, quando tudo é visto como custo, quando tudo tem valor monetário, nada mais tem um valor inquestionável.

Mal comparando, mas nem tão longe, o que o governo Sartori vem propondo às vezes toca em questões semelhantes às acima. Sinceramente, não duvido que piquem o Jardim Botânico em lotes. Quanto mais ele nega, mais temo.

Ou ainda, que algumas fundações tivessem problemas sabemos, mas existe um capital humano, científico e cultural em jogo que o governo não enxerga. Quem vai fazer o que a FEE (Fundação de Economia e Estatística) faz atualmente? Ela é o termômetro econômico do Estado. Vamos vendê-lo para comprar aspirina e depois nem saberemos se a febre passou.

Quanto à Redenção, ela historicamente já foi mordida, aqui e acolá, mas creio que desde que o Monumento ao Expedicionário foi inaugurado está mais protegida. Aqueles arcos testemunham tempos duros, de quando a humanidade perdeu a tramontana de seus passos. Mas ali, atrás do arco, de pé sobre um pedestal, está Atena, a deusa da sabedoria e das guerras justas. De lá ela olha para o interior do parque e o protege. Poderosa e vingativa, ela cuida do que foi nosso ex-campo de Marte e tornou-se o melhor jardim de Porto Alegre.

Esse foi o parque que nossos avós deixaram para nós. Sempre fico pensando: qual será o parque, ou espaço, tão mágico como esse, que deixaremos para nossos netos?

David Coimbra está em férias e retorna no dia 6 de março. Neste período, se revezarão neste espaço Fabrício Carpinejar, Nílson Souza, Cláudia Laitano, Marcos Piangers e Mário Corso.

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