22 de fevereiro de 2017 | N° 18775
PIANGERS
Grávida no Carnaval
Já que todo mundo está falando em Carnaval, foi em 2012 que a gente decidiu ir pro Rio de Janeiro e curtir um Carnaval como turistas, já que a Ana estava grávida da Aurora e não sabíamos quando poderíamos viajar novamente. Decidimos, talvez imprudentemente, desfilar em todos os blocos de rua e na Sapucaí, inclusive fomos campeões pela Unidos da Tijuca, samba-enredo que, de vez em quando, cantamos em uníssono na sala de casa.
Mesmo grávida, a Ana demonstrou disposição adolescente, jamais bebendo álcool mas sempre topando os passeios, fosse naquele bloco da Urca que só tocava músicas do Roberto Carlos ou naquele outro que descia os morros de Santa Tereza, todo mundo bêbado e escorregando no paralelepípedo molhado de xixi. O Rio tem esse aroma de urina inconfundível, misturado com suor de lotação e cheiro de cerveja morna, um blend que ao mesmo tempo enoja e deslumbra turistas.
Estávamos hospedados na casa de um amigo alemão, o Alex, na Barra da Tijuca, um daqueles apartamentos enormes em condomínios chiques onde todas as famílias têm filhos mas ninguém desce para brincar no parquinho. O Alex tem três filhos meninos e, por incrível que pareça, a casa ainda estava de pé: os garotos eram calmos e educados, ficamos achando que era pela falta de TV na casa. Quando perguntaram pra minha filha o que acontecia quando ela não se comportava, ela disse que ficava três dias sem ver televisão, e então o mais velho, com lágrimas nos olhos, perguntou para a mãe se ele estava sempre de castigo, já que eles não tinham televisão em casa. Nem televisão, nem iPad, nem iPhone, os garotos tinham uma infância subindo em árvores e brincando com coisas de madeira. Coisa de alemão.
No bailinho de Carnaval do condomínio, fomos com nossa filha fantasiada de “perua do posto 1”, improvisamos um maiô e maquiagens e um colar de pérolas; os meninos foram todos de pirata, três gringos que ficavam correndo ao redor do salão sem entender as letras das marchinhas, mais uma vantagem que eles tinham sobre nós.
Em algum momento da festa, perdemos a Anita de vista e, frente ao desespero da Ana, ponderei que, se perdêssemos a garota em um condomínio chique da Barra da Tijuca, a pior coisa que aconteceria seria a vida dela melhorar; estudaria em um colégio caro, faria contatos entre os maiores empresários do Brasil, reencontraríamos nossa filha anos depois, ela presidente do HSBC e a gente jornalistas de blog cheio de banner bagaceiro. Mas encontramos a menina e ela continua morando com a gente até hoje, acredito que foi melhor assim.
Depois do Carnaval, fomos de carro alugado até Parati. Lá a Anita aprendeu a nadar, tomou banho de cachoeira, mergulhou com óculos pela primeira vez para ver peixinhos de todas as cores. Lemos livros deitados na areia de uma praia linda, visitamos uma ilha deserta e passamos o dia tomando banho de mar e comendo pitangas tiradas de uma árvore. Minha filha estava banguela, minha esposa estava grávida, passávamos horas imaginando como seria a Aurora, se viria ruiva ou teria personalidade forte, se trataria bem a irmã e se iria se encaixar na nossa família, brasileira, estranhamente carnavalesca, imprudentemente feliz. A gravidez é essa época mágica em que tudo pode acontecer em poucos meses.
Nossa vida fatalmente iria mudar, como mudou de fato quando vieram as águas de março e um bebê novo que não parava de chorar. Depois daquele ano, nunca mais pulamos Carnaval; nossa casa virou uma bagunça com duas crianças, algumas brigas e uma televisão ligada em desenhos pretensamente educativos.
Os alemães voltaram pra Alemanha, de vez em quando escrevem um e-mail longo cheio de erros de português, que respondemos com carinho pois nunca se sabe quando poderemos precisar de casa em Frankfurt. Que pode ser uma cidade maravilhosa, mas não tem esse calor infernal, nem cheiro de xixi e suor, nem blocos de Carnaval tão arriscados quanto a nossa vida deste lado do mapa.
David Coimbra está em férias e retorna no dia 6 de março. Neste período, se revezarão neste espaço Fabrício Carpinejar, Nílson Souza, Cláudia Laitano, Marcos Piangers e Mário Corso.
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